Total de visualizações de página

domingo, março 25, 2012

O Público e o Privado


Só o subdesenvolvimento ainda permite que se fale e se discuta a morte do socialismo, que se provou não utópico, mas, impraticável. Quem é de esquerda, no mundo atual, não luta por socialismo mais e sim por melhor distribuição de renda, por educação e por inclusão social. Por sinal, recentemente, David Rothkopf, o executivo-chefe e editor-geral da revista “Foreign Policy”, lançou um livro, intitulado “Power, Inc.”, sobre a rivalidade entre as grandes empresas e o governo, no qual aborda qual será o futuro do “capitalismo” e a forma que ele terá nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. Com perspicácia argumenta que, enquanto na maior parte do século XX a grande disputa no mundo foi entre o capitalismo e o comunismo, com a vitória do capitalismo, a grande disputa no século XXI será sobre qual versão do capitalismo vencerá, qual será a mais eficiente para gerar crescimento e se tornar o tipo de capitalismo mais imitado.
No livro pergunta se “Será o capitalismo de Pequim, com características chinesas?” ou “Será o capitalismo do desenvolvimento democrático da Índia e do Brasil? Será o capitalismo empreendedor do estado pequeno de Cingapura ou Israel? Será o capitalismo europeu com rede de segurança? Ou será o capitalismo norte-americano?”. Mas, ele mesmo, se indaga se o capitalismo norte-americano hoje é sustentável e se permitirá que a grande nação prospere no século XXI. De certa forma Rothkopf põe em dúvida um aspecto vitorioso do capitalismo norte-americano que os outros tentaram imitar: o sucesso dos Estados Unidos em conseguir equilibrar, de forma saudável, o público e o privado. Lá, como pode bem se observar, o governo fornece, com competência, as instituições, leis, redes de segurança, educação, pesquisa e infraestrutura para fazer com que o setor privado inove, invista e assumindo os riscos, promova o crescimento e os empregos de uma forma democrática e competitiva.
Muitas pessoas não percebem, mas, este é um aspecto dos mais difíceis para se manter um equilíbrio adequado. No Brasil é evidente que há uma distorção- que já foi muito maior- do poder público, que interfere demasiado na vida privada, e promove, até hoje, um verdadeiro saque dos recursos da sociedade, via impostos, com uma péssima prestação de serviços. E a verdade é que, quando o setor público oprime o privado, além de promover uma regulação asfixiante, na prática, engessa o crescimento por meio da dívida pública e pela disputa do mercado que deixa de ser feita pela competitividade e passa a ser feita via política gerando os problemas de todos nós conhecidos, diagnosticados e jamais resolvidos. Os Estados Unidos, porém, sofreram, recentemente, do fenômeno oposto, a falta de regulação, a crise dos subprime de 2008, que foi um sintoma de que o setor privado invadiu o público e a regulação adequada deixou de ser feita. O bom, nos Estados Unidos, é que quando os erros são detectados, se pune e a opinião pública pesa para consertar as coisas. Mesmo assim se sabe que existem muitos problemas entre o ideal e a realidade.
O certo, no entanto, é que o capitalismo pode, ou não, ser compatível com uma boa distribuição de renda e com qualidade de vida. Em parte isto depende de um bom equilíbrio entre o público e o privado, da educação da população e da liberdade de imprensa. Os EUA provam que o capitalismo funciona melhor quando há este equilíbrio. Por tal razão precisamos, no Brasil, buscá-lo e jogar para a lata de lixo o caricatural debate entre governo e mercado (socialismo ou capitalismo) que é um debate para lá de ultrapassado. Quem o usa pode saber muito de poder, mas, esqueceu o que é história e conhecimento.

Ilustração: http://monolitho.labin.pro.br/?attachment_id=7516

segunda-feira, março 12, 2012

O pensamento sem progresso


Devo dizer que não me sinto velho, embora os sinais da velhice sejam evidentes nos cabelos brancos, muitas vezes, na falta de forças e ainda, outras vezes, em algumas novas dores que sempre acompanham a idade. Fora isto, vou muito bem obrigado e, posso dizer, sem susto, que não me arrependo de muitas coisas, embora, vez por outra, um remorso irremediável me venha não de pecados ou prazeres, mas, do que não fiz, do que não ousei e da pessoa que poderia ter sido, talvez, melhor. Dói em mim mais as palavras de amor que não disse e até mesmo o amante melhor, o pai, a pessoa mais capaz que deveria ter sido. Mas, o que não fui, hoje, é tempo perdido. De qualquer forma creio, com um pensamento com um viés tipicamente induísta, que avancei na lenta estrada da matéria. Talvez seja um julgamento benevolente, mas, me consolo pensando que somos todos benevolentes conosco mesmos.
Apesar deste tom intimista, na verdade, minha intenção é outra. Embora mesmo não me julgando um grande pensador sempre procurei refletir. E fico sempre pasmo como o pensamento brasileiro pouco, muito pouco, avançou dos anos verdes de minha vida até agora. Ainda vivemos, e mesmo à força me incluo, entre maniqueísmos tolos, como esquerda/direita, puros e corruptos, inocentes e pecadores, ateus e cristãos, enfim, no círculo tolo dos antagonismos superficiais. Enfim, o nosso pensamento continua subdesenvolvido. É sempre a expressão da ideologia do momento, uma pobre subcultura de outros pensadores. E não me espanto mais porque na nossa universidade ( eu que confesso, como todo jovem, já fui um marxista) há somente o grande e eterno pensamento único de um marxismo vulgar, e cheirando a mofo, que se difunde, de forma subreptícia, pela imprensa. Não importa que Stalin tenha feito o que fez, que Mao não tenha sido aquele velhinho manso que aparentava, nem que Fidel seja uma imensa múmia que embalsama o futuro de Cuba, nem que os muros de Berlim tenham caído ou que não existam mais pilares na arquitetura intelectual de Marx: a culpa de tudo é do capitalismo. Mesmo que o capitalismo, hoje, possa ser qualquer coisa. E quem fala sobre ele, na maioria das vezes, não sabe o que é, nem conhece o mínimo sobre suas bases econômicas. E com o mundo multifacetado atual nunca compreenderão.
A realidade é tão complexa que, ao tirar das pessoas a possibilidade de entender o mundo, de refletir, de buscar a experiência e o conhecimento, como medida das coisas, estas se encolhem na ideologia que não oferece meios de aferição, mas, juízos de valor a partir de seu quadro limitado. Muitos jovens, hoje, apesar do pouco saber, do pouco estudar, ao contrário do passado no qual se respeitava a experiência, estão repletos de respostas obtidas por um sistema pronto e acabado na cabeça deles. E aí de quem não aceita suas ideias na medida, é claro, em que elas são o supra-sumo do saber. Interessante é que nem mesmo enxergam, na sua cegueira completa, o quanto de totalitarismo embutem nesta forma de ver o mundo e as pessoas. Na cabeça de muitos deles tudo é política. Tudo deve se subordinar a ideia que possuem de que são os libertadores, os arautos de uma nova ordem que, para nós, mais velhos, não passa de uma mera repetição de slogans batidos do século passado, onde estes novos encantadores de serpentes tentam tocar, com uma flauta nova, a velha música, como se fosse a redenção dos ouvidos modernos. A pobreza é tão grande que até mesmo quem faz arte é vilipendiado por não fazer uma arte engajada. Para alguns deles a questão é que a bela voz do Gilson ou do Catê, os versos bonitos de um Bolívar Marcelino ou os quadros de Zogbhi ou de Rita Queiroz ou o som do bandolim de Lito Casara não importam como arte, exceto se os artistas lutarem contra o capitalismo, se forem contra as usinas do Madeira ou contra o desmatamento da floresta. Não há dúvida que devem ter razão e, pensando desta forma, é que nós tivemos todos os gênios russos e cubanos que as revoluções comunistas geraram e ninguém, até hoje, sabe quem são. A arte só em ser arte já é libertadora. E toda arte subordinada à política é puro lixo.

Ilustração
: cocacolaquente.blogspot.com