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sábado, maio 18, 2013

Um gol no último minuto




O Brasil vai ser campeão do mundo. Enfático, possesso, destemperado grito: -Vai! É evidente que, como vidente, estou muito próximo das versões repetidas do governo sobre as elevadas taxas de crescimento, quase todas as vezes que são previstas, estão erradas e é necessário retificar, o que, no meu caso, não me desonra, pois, jamais fiz grandes previsões sobre o que desconheço. E, como economista, me cerco de cuidados e me previno: grito que vai, mas, não digo quando. E esclareço que me incomoda muito um certo derrotismo que paira sobre  o nosso futebol, que desmerece a síntese de um talento nato que já provou, em campo, que temos na desconcertante arte de improvisar nossa mais temível e eficaz arma. Sem modéstia: nós somos bons até para os argentinos babarem.
O futebol é uma invenção inglesa, todavia, queiram ou não, os derrotistas, é o maior e mais profundo componente da alma brasileira, apesar de ter um concorrente negro, seu irmão siamês, o samba, que quase o alcança gingando próximo de sua altura. Antes de existir, como o samba, o futebol já era uma predestinação nacional. E, não por acaso, o retumbante fracasso de 50 prenunciava que, oito anos depois, nós, quando criávamos a base de nosso antropofágico caráter, pela primeira vez, levantamos a taça e criamos orgulho de nós mesmos cantando, e dançando pelas ruas, nossa nacionalidade recém-adquirida. O Brasil se fez Brasil musicalmente comemorando as glórias do futebol e a crença num amanhã luminoso que ainda tarda a chegar. É verdade que um time com Didi, Newton Santos, Garrincha e Pelé estava destinado a ser grande em qualquer país do mundo, no entanto, não é qualquer país que é capaz de produzir gênios assim, heróis assim. Tão acima do comum que, como os heróis de hoje, eram desacreditados. Eles venceram por serem de uma qualidade tão grande, de uma estirpe tão especial, que acreditaram em si mesmo até contra a versão maciça de que eram inferiores. Mas, o passado, a qualidade e as glórias do nosso passado, no futebol ou em qualquer outro setor, não conta na era da falta de memória, da ignorância ativa, do espetáculo e da mediocridade.
No mundo inteiro não há um jogador, um só, com a qualidade, com o talento de Neymar ainda que não tenha a aplicação que deveria de um Zico. Messi? Perdoem-me espanhóis, argentinos e os que não sabem de futebol. Maradona foi o grande jogador argentino. Messi é um talento da burocracia. As loas que cantam do Barcelona, como, agora dos clubes alemães, são as loas da mediocridade. Futebol, futebol mesmo temos nós, brasileiros, e, depois, num ritmo de milonga com a capacidade dos chicaneiros, os argentinos. O resto, bem, o resto produz um talento de vez em quando. Talvez, a África e a China, quando despertarem para o encanto, a surpresa e a delícia do jogo, criem rivais para nós. Ainda hoje não há.
Não contesto que os analfabetos da governança, os risíveis e trágicos cartolas nacionais, conseguiram transformar nossos craques em grupos amontoados em campo, grandes promessas de craques, exaltados sem o devido preparo, presenteados com milhões e elogios indevidos, quando nem se preparam fisicamente, nem aprenderam a chutar direito, viraram peladeiros e recuperaram o complexo de vira-latas, daí, nossos tristes resultados atuais nos campos. Até mesmo Neymar, deslumbrado, não jogou, para olhar o Barcelona passear. Sem aplicação, sem esforço, Pelé jamais seria Pelé. Agora, se, em qualquer parte do país, se pegar um time razoável e fizê-lo aprender e treinar os fundamentos do futebol durante algum tempo, podem, sem receio algum, colocá-los para jogar contra qualquer time do mundo, que eles, com confiança e suando a camisa, farão, como fazia a molecada do Santos alguns anos atrás, quatro ou cinco gols em qualquer time sem perdão.
O futebol brasileiro, para o bem ou para o mal, é o retrato acabado do país. Só revela o imediatismo, a falta de compromisso, a politicagem e o despreparo dos seus dirigentes rebaixando a qualidade do material que deveria produzir sucesso. No futebol isto se revela pelas dispensas mensais dos técnicos, pelas derrotas, pelo baixo desempenho dos jogadores e pelos passes e chutes errados, a falta de gols. Na vida, o futebol de verdade, pela corrupção, pelo desperdício, pela ignorância popular que elege os Silvas iletrados e sem visão de futuro. Tudo igual: perdemos no futebol e na vida por não cuidar do essencial: a administração e os fundamentos.
O Brasil, entretanto, é muito maior que esta mediocridade visível. O Brasil vai ganhar, vai cumprir seu destino de ser, como previa Darcy Ribeiro, a “Nova Roma”. Nosso talento e criatividade é tão grande que vai soterrar a mediocridade. Posso estar errado, porém, intimamente, tenho a certeza de que não estou. Sou um otimista não congênito. Sou um otimista por militância. Sobrevivi a tantos dirigentes ruins que, na vida como no futebol, sou obrigado a acreditar em gol no último minuto. O Brasil vai ser campeão.  

sábado, maio 11, 2013

Sobre a sabedoria da memória ou a benção do esquecimento




Que nós vivemos numa época de excesso de informações ninguém tem muita dúvida. A sucessão de imagens, de slogans, de publicidades e de propagandas que nos perturbam só é menor que a nossa procura incessante de estar à par do novo, de não perder a onda da modernidade, de, enfim, saber do que se passa em todo canto, todo tempo. Lembro que, garoto (claro que no século passado, seus implacáveis) não existia esta volúpia da notícia, o que nos poupava, por exemplo, das páginas sangrentas dos jornais, dos sequestros, dos crimes ou até mesmo de saber que existiam tantos criminosos, em especial, dos cofres públicos. Ladrão era ladrão mesmo, de galinha que fosse, mas, reconhecido na profissão e com, um traço que, hoje, infelizmente se perdeu, de ser uma coisa vergonhosa. O estereotipo do ladrão era sempre o de estar mascarado e carregar consigo um saco para levar as coisas roubadas. Era um tempo de inocência onde, visivelmente, não acontecia nada ou, se acontecia, era devagar, devagar, devagarinho, como recomendou, sabiamente, Martinho da Vila. A vida tinha tempo, estações, processos lentos para acontecer.
Hoje a vida parece acontecer a toda hora. O celular nos localiza e nos faz trabalhar onde quer que estejamos. Os notebooks, smartphones e laptops surgem nos lugares mais inesperados e a intromissão da informação não respeita mais nem os limites dos tribunais, das salas de aulas e dos templos. Aliás, até mesmo a missa, a aula virou um espetáculo onde, se não houver tecnologia, adeus atenção. Por tudo isto a leitura parece algo perdido no passado. Até mesmo para mim, um leitor ávido e empedernido, que lia sem cessar, oito a dez livros por semana, me surpreendo verificando que só leio dois, três e já não faço, como no passado, aquisições de dez, quinze livros em qualquer viagem. É verdade que os livros se tornaram mais acessíveis em nossa própria cidade e sobreveio a facilidade de que chegam via comércio eletrônico, mas, há também, uma substituição da leitura do livro, por leituras homeopáticas, seja do que for, em geral noticias, artigos, e, e-mails ou uma visita ao Facebook e o recebimento de tantos boletins e ofertas eletrônicas, que, vez por outra, são despejados sem o menor constrangimento, quando existe o acumulo de alguns dias sem ler.
Para quem já teve uma biblioteca com mais de cinco mil livros, os mais de quinhentos que ainda possuo hoje, já me parecem excessivos. Informação também, por maiores que sejam as estantes, devem ser acessíveis e, sem uma organização muito bem feita, não o são. Hoje, a moda é utilizar o espaço nos discos rígidos,  ou CDs ou pendrives, que acumulam muito mais com muito menos esforço e mais acessibilidade, mesmo com o risco alto de desaparecer ou, com a substituição da tecnologia, o acesso se tornar muito difícil. Tenho muitas informações em disquete que me parece, agora, algo da Idade Média, e que nem sei como irei recuperar. Ainda a melhor forma de guardar informações é a mente, que, infelizmente, com o tempo, também vai apagando certas coisas, mas, a mente é sábia, possívelmente, esquece totalmente as coisas que devem ser esquecidas. Esquecer, muitas vezes, é uma benção, é muito bom.
Qual o motivo, então, de minha divagação. Bem, é que me perguntaram sobre um livro que li na adolescência de Aluízio Azevedo e, tive que confessar que não lembrava mais do seu enredo, nem o nome dos personagens me vieram à memória. O meu consolo foi lembrar das palavras de Pierre Bayard que declarou “É, antes de tudo, difícil saber com precisão se lemos ou não um livro, pois, a leitura é o lugar do evanescente".  Reli a obra e, ao contrário da lembrança que tinha, não gostei e cheguei à conclusão também que graças ao tempo apagamos muita coisa da memória. E que, muitas vezes, a releitura de uma obra clássica pode ser uma experiência nova, mas, nem sempre se recupera o prazer que nos deu no passado. Esta, por exemplo, me deu a nítida impressão que poderia ficar no esquecimento que não me teria feito falta. Ainda assim, a memória é tão sábia que, possivelmente, daqui a dois meses, não terei a menor lembrança do que li hoje, mas, é claro, isto somente vale para mim. Tenho alguns amigos que tem uma memória fantástica para coisas inúteis, ou seja, a memória de cada um também é sabia para selecionar (e esquecer) o que nos interessa, ou não.

Ilustração:  www.sul21.com.br