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terça-feira, outubro 22, 2013

Os cem anos de Vinícius de Moraes


Os cem anos de Vinícius de Moraes

Na verdade conheci a poesia de Vinícius de Moraes antes de conhecê-lo. E digo conhecê-lo mesmo por suas obras e por uma admiração que se estendeu a outros grandes nomes da música brasileira que foram, são, o inesquecível Tom Jobim e o então jovem violonista e também notável compositor Toquinho. Vinícius me conquistou, sem quem soubesse quem era, pela maravilhosa letra de “Serenata do Adeus”: “Ai, vontade de ficar, mas, tendo que ir embora/Ai, que amar é se ir morrendo pela vida afora/É refletir na lágrima, um momento breve/De uma estrela pura cuja luz morreu”. Bastaria ter feito isto para já ser considerado um dos grandes poetas brasileiros.
Vinícius, no entanto, era uma fonte permanente de poesia e de musicalidade. Se, nos versos do ‘Soneto da Separação”, se observa um poeta à vontade e radicalmente elegante e belos nos versos: “De repente do riso fez-se o pranto/Silencioso e branco como a bruma/E das bocas unidas fez-se a espuma/E das mãos espalmadas fez-se o espanto”, logo, com a adesão à música popular seus versos se tornariam quase coloquiais, sem a grandiosidade do passado, mas, com a generosidade muito mais sofisticada das coisas simples, como em “Como dizia o poeta”: Quem já passou/Por esta vida e não viveu/Pode ser mais, mas, sabe menos do que eu/Porque a vida só se dá/Pra quem se deu/Pra quem amou, pra quem chorou/Pra quem sofreu, ai/Quem nunca curtiu uma paixão/Nunca vai ter nada, não”. É, de certa forma, uma radiografia da alma de um poeta que se fez maior pela capacidade da paixão, pela dilacerada, humana e inútil busca de ser feliz.
Vinícius faz cem anos mais vivo do que nunca. Foi um dos poucos ídolos que vi de perto, num bar do Leblon, numa roda de amigos conversando e bebendo, porém, com toda a tietagem que havia em volta, ele pairava como um ser tranqüilo e plácido, com uma calma que, hoje, seria considerada incomum. Tive também, como fã incondicional, o privilégio de vê-lo, inúmeras vezes, num antológico show com Tom, Toquinho e Miúcha, no Canecão, onde fizeram uma temporada de sete meses de casa lotada. Cada apresentação que assisti foi uma celebração. Havia muita poesia, vida, paixão arrebatadora e, embora o script fosse o mesmo, nada era igual. Artistas extraordinários ao vivo acompanhados de grandes músicos e vocalistas criavam momentos incomuns. Lembro que até mesmo Roberto Carlos apareceu para dar uma canja antológica cantando “Lygia”. A sensação que tive permanece até hoje: poucos terão o prazer de assistir algo assim que me acompanhará na memória enquanto esta houver. Foram momentos únicos e, recentemente, revivi, mais de 30 anos depois, um pouco deste clima com um show de Toquinho, em Búzios, em homenagem ao “Poetinha”, quando cantou suas parcerias com o acompanhamento de toda a praça.
Vinícius faz cem anos. Fará duzentos, trezentos, mil e tantos. Quem escreveu um poema como “Dialética” não sai de cena enquanto houver o idioma nacional e o mínimo de inteligência: É claro que a vida é boa/ E a alegria, a única indizível emoção/ É claro que te acho linda/ Em ti bendigo o amor das coisas simples/ É claro que te amo /E tenho tudo para ser feliz/ Mas, acontece que eu sou triste...”. Somos, ficamos mais tristes com a falta de sua presença e criação, mas, como ele mesmo diz em “Poema de Natal” :“Pois para isso fomos feitos:/Para a esperança no milagre/Para a participação da poesia/Para ver a face da morte/ -De repente nunca mais esperaremos...Hoje a noite é jovem; da morte, apenas /Nascemos, imensamente”. Saravá Vinícius de Moraes! Um brinde por nós que sabemos que apenas virastes passarinho.


terça-feira, outubro 15, 2013

Um dia só para ser elogiado


Sou professor. Tenho, nem o sabia até o dia em que comecei por circunstâncias a ser, uma vocação inata para a profissão que sempre me orgulhou e me deu, ao longo da vida, uma imensa satisfação. Mas, reconheço que ser professor, hoje, é ser, acima de tudo, um sobrevivente, um ser que não é respeitado senão por poucos, muito poucos, não importa a contribuição que tenha dado, o que tenha feito e, pelo menos no horizonte visível, sem perspectivas. Longe de mim vim aqui destilar queixas, contar as agruras próprias, desnudar a insatisfação e, algumas vezes, o desespero de verificar que, embora os discursos enalteçam a figura, a triste realidade é a da completa desvalorização da profissão.

Neste sentido não são apenas os salários. É a completa falta de respeito que se demonstra em relação ao ensino e suas peculiaridades. No Brasil se importa, sem a menor consideração pelas condições existentes, as instituições e os padrões de primeiro mundo e pretendem avaliar os cursos por padrões ideais com uma escola em condições sórdidas, com uma sala de aula que nada avançou em duzentos anos. O professor brasileiro, mesmo o de escolas de qualidade como a USP de São Paulo, ainda exerce sua profissão como se estivesse no passado, como se não houvesse celulares, vídeos, cinema, internet e outras novidades tecnológicas que o obrigariam a criar um ambiente de ensino muito mais interessante. Muitos se queixam da ausência de interesse dos alunos, mas, como jovens imersos em padrões de tecnologia irão agüentar um mestre somente dispondo de lábia e giz por horas? Muitos de nós até conseguem o milagre de se tornar suportáveis, porém, é insuportável a quantidade de atividades que é obrigado a fazer, dentro de uma lógica produtivista de fabricação em massa que não considera a qualidade do que se realiza, mas, apenas a quantidade. Que empurra para as salas de aulas os alunos sem condições, muitas vezes, de entender o vocabulário que se utiliza. Acrescente-se que, numa sociedade onde o valor dos indivíduos se mede mais pelo consumo do que pelas qualidades das pessoas, por seus valores, ser professor é ser um profissional mal pago. Numa época em que a escolha da profissão é feita pela possibilidade de sucesso, de rendimentos altos, a profissão de professor está no estrato mais baixo das escolhas. Ser professor é quase se condenar a ser pobre, a ser um ser quase monástico. Não é à-toa que os pais, hoje, não desejam de forma alguma que seus filhos sejam professores. Professor é sinônimo de pobreza. E, muitos alunos, na sala de aula mesmo, tratam o professor como se fosse um sonhador ou um acomodado, na medida em que não compreendem como alguém sabe tanto e ganha tão pouco. De fato, é inexplicável até mesmo sob o ponto de vista econômico, de vez que quanto mais aumenta a demanda por professores mais a média dos salários, no País, baixam. O professor, hoje, efetivamente, só tem um dia de reconhecimento que este dia 15 de outubro. Neste dia, podem atestar, todos os políticos falam que é a base de desenvolvimento de qualquer país, profissão fundamental para a nação, enfim, a maravilha das maravilhas. Nos outros dias, sem a grandiloqüência dos discursos, a triste realidade é a das más condições de trabalho, dos salários baixos, do dia à dia cansativo e desgastante, do desânimo com os resultados, das queixas em reuniões que não dão em nada e, outras vezes, pior ainda as perseguições e até mesmo o espancamento por polícias militares. E assim se faz o Brasil. Ou melhor, assim, massacrando o professor, o Brasil se desfaz.