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quinta-feira, novembro 14, 2024

OS PROVÁVEIS EFEITOS NEGATIVOS DE UMA JORNADA MENOR DE TRABALHO

 


Na imprensa, e entre os adeptos de soluções fáceis para os problemas sociais complexos, ganhou imenso espaço, e a adesão espantosa e, possivelmente, interesseira de 193 deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com a jornada de trabalho na escala 6 x 1 (seis dias de trabalho para um de descanso) de autoria da deputada Erika Hilton.  A proposta de PEC se inicia equivocada pela própria justificativa, de vez que pautada na preservação da saúde e do bem-estar do trabalhador. Claro que criando a expectativa de que, com mais dias de descanso, o trabalhador tenha mais saúde e seja mais produtivo, o que também beneficiaria as empresas. Ainda  se argumenta que a medida já foi testada em programas pilotos em outros países. Isto é verdade, mas são países com muito melhores condições, melhor ambiente de negócios e maior renda do que o Brasil. Independente disto qual a necessidade e a viabilidade de propor uma mudança tão brusca? Ora a Constituição Federal permite a redução da jornada de trabalho por meio de acordos coletivos (art. 7º, inciso XIII), ou seja, os sindicatos podem negociar diretamente em favor de suas categorias, de modo que a atual redação constitucional permite flexibilidade e adaptação de acordo com a realidade econômica de cada setor. Em termos claros não há necessidade nenhuma. E a viabilidade? O senador e presidente do PP, Ciro Nogueira, foi incisivo quanto a isto ao dizer que “É uma ideia tão boa como, por exemplo, aumentar o salário-mínimo para R$ 10.000,00. Quem pode ser contra? Agora, dizer que é viável no Brasil de hoje é mentir para a população”.  Mas do que mentir é criar uma falsa esperança. Sob o ponto de vista econômico é uma medida desastrosa. Qualquer economista que mereça o nome, considerando a conjuntura econômica de incertezas em que vivemos e a enorme maioria de micro e pequenas empresas (as grandes empregadoras de mão de obra) podem facilmente listar os efeitos que são previsíveis: em primeiro lugar, aumento dos custos trabalhistas devido à redução da jornada sem redução dos salários (se cumprida a lei), depois, como consequência lógica, elevação dos preços dos produtos para cobrir os custos mais altos. Daí, diminuição do poder de compra dos consumidores e redução dos lucros empresariais, com o provável fechamento de micro, pequenas e médias empresas e aumento do desemprego. O impacto negativo na arrecadação de impostos e nas contas públicas é o toque final. Porém, outros cenários podem ser piores ainda com a pejotização, ou seja, os trabalhadores serem obrigados a criar empresas para poder trabalhar e a substituição massiva de mão de obra humana por automação. Não se descarte também a possibilidade de recessão.  Melhorar ambiente de trabalho todos querem, mas é indispensável considerar a realidade econômica do Brasil, bem como a preservação das empresas e a manutenção dos empregos. É nocivo que propostas que envolvem tanta complexidade não sejam discutidas de modo aprofundado e técnico no Poder Legislativo. Não existe forma de preservar a saúde do trabalhador, e seus empregos, sem considerar a sustentabilidade das empresas, pilares essenciais para o funcionamento da economia nacional.

Ilustração: Folha-UOL.

 

segunda-feira, setembro 09, 2024

Um Brinde em Nome do Santo



Neste agosto, por uma série de razões, inclusive uma palestra que tive de ministrar sobre a questão da estabilidade e do desenvolvimento no Brasil, acabei deixando para lá a homenagem devida ao nosso santo Arnaldo de Soissons (1040–1087), também conhecido como Arnold ou Arnulf de Oudenburg. Ele é um santo católico belga, padroeiro dos coletores de lúpulo e dos cervejeiros. Nascido na vila de Tiegem, na região de Flanders, Santo Arnaldo foi um soldado antes de se estabelecer na abadia de São Medardo, em Soissons, na França.Nos seus três primeiros anos de vida religiosa viveu como eremita e depois assumiu o posto de abade no monastério. Segundo a sua hagiografia, o santo não queria o título e tentou fugir, mas um lobo o forçou a voltar. Cerca de 1080 foi nomeado bispo de Soissons.  Um padre, anos depois, tentou tomar seu lugar como bispo, o que interpretou como um sinal e renunciou o episcopado, retirando-se para fundar o mosteiro de São Pedro, em Oudenburg, onde começou a fabricar cerveja- uma bebida tida como imprescindível, com a epidemia da Peste Negra na Europa e sem abundância de água própria para consumo. Santo Arnoldo promoveu o consumo de cerveja entre os camponeses da região, como um “dom da saúde” que a bebida evocava. Efetivamente, naqueles tempos, seus esforços fizeram muito pela população local ao ensinar a fazer cerveja e a bebê-la ao invés de água. Como não existia saneamento básico, somado a que na produção de cerveja se fervia o mosto acima da temperatura de pasteurização (não havia pasteurização ainda), era realmente mais saudável beber cerveja que água (esta é uma opinião bastante moderna e, hoje, bastante difundida) .  Seu trabalho salvou muitas vidas e sua fama em relação à cerveja se espalhou. Muitos milagres foram atribuídos a ele. Por exemplo, o teto da cervejaria da abadia desabou, comprometendo o abastecimento. Santo Arnoldo, então, pediu a Deus para multiplicar as sobras   da bebida e suas preces foram atendidas, para a alegria dos monges e da comunidade. Também introduziu novas técnicas na fabricação da cerveja. Montando um cesto para formação de colmeias, percebeu que os cones de palha serviriam como filtros. Daí que em muitas pinturas, ou representações suas, apareça retratado segurando cestos com abelhas ou segurando uma espécie de pá usada para macerar o malte. Há outros santos que são tidos também como padroeiros da cerveja, como São Columbano, São Patrício,  Santo Arnulfo de Metz, São Venceslau e Santa Brígida de Kildare e Hildegarda de Bingen. Nada estranho porque a fabricação de cerveja é imemorial, segundo consta foram os sumérios, 8 mil anos atrás, que iniciaram sua produção, mas o nome cerveja vem mesmo dos gregos e romanos, que aprenderam a arte da fabricação com os egípcios. Vem mesmo é de Ceres, a deusa da agricultura, dos grãos. Ou seja, do pão e da cerveja. Ceres visia, termo que deu origem à palavra cerveja, que significa “Aos olhos de Ceres”. Santo Arnaldo morreu jovem, com 47 anos, e foi canonizado no ano de 1121 depois de seus milagres serem reconhecidos pela Santa Sé. A festa litúrgica é comemorada no dia 14 de agosto. Um brinde a Santo Arnaldo de Soissons, pois!

Uma Tarde no Sítio do Yamaguchi


Uma das boas coisas da vida, sem dúvida, é comer. E comer bem é um dos prazeres mais requintados que se pode ter. E, como não poderia deixar de ser, são os japoneses, com suas tradições e criatividade que nos deram o  sashimi, que significa "corpo furado", onde "
刺身 = sashimi = 刺し = sashi ("perfurado", "preso") e  = mi ("corpo", "carne"), que, segundo alguns, deriva da prática de fincar o rabo e a barbatana do peixe às fatias de modo a identificá-lo. Deve-se ao Miyoshi à inclusão do sashimi e do sushi no nosso estado.  Confesso que pouco sei, ao contrário de meu filho Igor Persivo, que já até trabalhou fazendo comida japonesa, como fazer. Sei, e gosto muito, é de comer. E passei, pelo menos, três décadas comendo no Restaurante Oriente, o primeiro e por muito tempo o mais importante da culinária japonesa em Porto Velho, mas só no sábado (27 de julho) foi que conheci quem criou o restaurante, que tanto gostava. porquê fui a convite do José Valdir Pereira, escritor, um dos fundadores da UNIR, no sitio do Yamaguchi, com as companhias de Lito Casara & Tunai Melo. Foi uma tarde muito especial. Em primeiro lugar porque vivemos, em universos paralelos na mesma época. Yamaguchi foi peça importante da administração municipal de Chiquilito Erse em tempos passados, teve uma participação significativa no crescimento de Porto Velho abrindo novas ruas e resolvendo problemas urbanos e, por uma questão de círculos de amizade, pouco nos encontramos no passado. Então fizemos uma espécie de reconhecimento, recobramos as memórias de quando Porto Velho somente ia até a rua Joaquim Nabuco, talvez até o mercado do Km1. Histórias & estórias (de bons pescadores) não faltaram, como o acolhimento da família aos amigos foi fantástico, com aquele zelo e amor que os orientais possuem pelos amigos. O Márcio Yamaguchi, um dos filhos que continuam no ramo de restaurantes, não nos deixou um minuto sem atenção até arranjando vinho, quando o estoque acabou. E o violão de José Valdir, o bandolim mágico de Lito Casara e a palhinha de Tunai Melo cantando fizeram a tarde maravilhosa. Yamaguchi mostrou o carinho com que trata o seu sitio, que fica na junção de dois rios, não lembro agora mais os nomes, sei que um é o Candeias e, discretamente, nos encantou com sua elegância e recepção. Nem vou falar mais da qualidade da comida que nos ofertou porque o comentário é dispensável, mas é preciso dizer que se trata de um grande empreendedor, pois no difícil ambiente de negócios do Brasil chegou a ter 200 empregados. Sei como isto não é fácil ainda mais num ramo que exige atenção constante. Para viver melhor diminuiu, ou melhor, saiu dos negócios para voltar “para o melhor lugar”- como diz a canção de José Valdir-em homenagem à Porto Velho. Os filhos, Márcio, aqui, e uma filha, lá em Saco Grande, Florianópolis, porém continuam a tradição de bem servir comida de qualidade. Esta é, como escritor, a minha forma de agradecer todo o carinho que recebemos e o prazer de termos compartilhado bons momentos. Meu preito a Yamaguchi e família, que deve ter muito orgulho de seu patriarca, uma grande personalidade de nosso Estado. 

Inflação em ascensão tende a aumentar a pressão política


Embora exista toda uma estratégia operacional que se baseia em tentar criar otimismo sobre a conjuntura econômica, que inclui uma pasteurização da grande imprensa sobre os dados negativos, no entanto a grande realidade é que o Brasil vive tempos muito difíceis e não há como esconder. O governo federal, nos tempos atuais, optou por uma linha na qual não contempla os interesses nem das atividades produtivas nem dos trabalhadores. É emblemático desta opção o fato de que não somente, de diversas formas, aumentou os impostos, por leis ou decretos ou ainda pelo corte de subsídios, como não tem melhorado a renda dos salários, exceto para as poucas camadas do serviço público que lhes dá sustentação, como o legislativo, a justiça e o setor de arrecadação. A recente, e longa, greve dos técnicos e professores de ensino superior, que, no seu todo, ainda não acabou, é bem representativa disto, pois impuseram, com alguns benefícios cosméticos, 0% de aumento, no presente ano, alegando, o que não tem substância, 9% dado no ano passado, sem considerar a inflação do ano nem as perdas de anos passados, longos anos, aliás, em que os servidores públicos não tem recebido nenhum aumento. Em certos setores da educação a situação de professores, em especial os novos, chega a ser dramática. Mal conseguem prover a própria subsistência enquanto veem os preços de seus livros, de cursos que desejam fazer e de coisas básicas, como aluguel e plano de saúde, darem saltos enquanto seus salários minguam com a inflação. Lula, que não tem problema nenhum de sobrevivência e pode se dar ao luxo de viajar pelo mundo, fala, beatificamente, em compreensão, em olhar para o que foi dado como se fosse possível pagar as contas com promessas sobre a possibilidade de serem compensados no futuro. O problema presente é que até mesmo a inflação oficial, que tende a subir, está subestimada. Não somente porque o próprio órgão que realiza o seu levantamento mudou a forma de aferir os preços como também existe, cada vez mais, presente o fenômeno da reduflação, uma tática dos fabricantes de reduzir o conteúdo dos produtos para manter os preços, diminuindo o poder de compra dos consumidores,  segundo um estudo recente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) em cerca de 4%. É um fenômeno que acontece, e as evidências são flagrantes, nos alimentos e produtos de higiene atingindo de forma drástica, principalmente as famílias de menor renda. Na prática se paga o mesmo valor para consumir menos. E os preços das verduras e frutas também dispararam. Só os que não vão aos supermercados e mercados não conseguem ver. Não há solução fácil à vista quando o governo não controla suas contas e o chefe da nação ainda ajuda a espiral inflacionária falando contra a política monetária e faz o dólar subir mais e mais. Os erros de política pública estão se fazendo sentir fortemente no poder aquisitivo das pessoas. E, com o endividamento, que já é alto, a pressão política tende a subir nos próximos meses, inclusive por conta do período eleitoral. 

domingo, julho 07, 2024

O Despertar para o turismo: a 1ª Expoturismo Rondônia 2024

É extremamente oportuna, e estratégica, a realização, nos próximos dias de 4 a 6 de julho, o Centro de Eventos do Sesi, em Porto Velho, da 1ª Expoturismo Rondônia 2024. O Governo do Estado, por meio da Secretária de Desenvolvimento e da Superintendência de Turismo, e o Instituto Fecomércio/RO estão de parabéns, pois acertaram em cheio na decisão de promover o turismo estadual. Não apenas pelo evento em si, que se pretende único e grandioso, com mais de 80 expositores, praça de alimentação, uma programação extensa com nomes expressivos, mas pela janela de oportunidade que no momento se apresenta. Em recente estudo o   Conselho Mundial de Viagens e Turismo (World Travel & Tourism Council-WTTC), em conjunto com a VFS Global, líder em serviços de terceirização, denominado de Unlocking Opportunities for Travel & Tourism Growth in LATAM” (“Abrindo oportunidades para o crescimento de viagens e turismo na América Latina”), mostra que setor de viagens e turismo é muito expressivo na região, com uma contribuição de mais de US$ 629 bilhões para a economia em 2023, acolhendo 86 milhões de viajantes internacionais. Além de estimar que o crescimento do setor de viagens e turismo da América Latina pode injetar quase US$ 260 bilhões à economia da região e criar quase oito milhões de novos empregos nos próximos 10 anos. Na verdade aponta que o crescimento potencial depende de políticas públicas para conquistar um salto anual de 3,4%, atingindo uma contribuição de cerca de US$ 909,2 bilhões de dólares. É um cenário promissor considerando ainda mais que, em 2024, as expectativas são de que será alcançado um recorde de uma contribuição para o PIB regional de mais de US$ 650 bilhões, bem como a criação de um milhão de empregos adicionais elevando o total de pessoas que vivem da atividade de 24,6 milhões para 25,7 milhões. Em outras palavras, há um mercado imenso para ser conquistado e, neste particular, nos últimos anos o setor testemunhou um notável crescimento que pode, e deve, ser aproveitado melhor pela região amazônica, onde nos inserimos. Porém, é evidente, isto não será feito sem apoio estatal e sem a organização da recepção ao turista, o que inclui, além da melhoria da infraestrutura e educação para melhorar a hospitalidade dos visitantes, proteger a biodiversidade, a natureza e divulgar, via digital, os atrativos e belezas disponíveis. Enfim há um imenso trabalho a ser feito que deve começar pelo alfandegamento do aeroporto e a construção de uma nova pista, mas que passa também por investir na conscientização da população sobre a importância do turismo para a renda interna. Neste sentido esta 1ª Expoturismo surge com o apelo de ser o grande despertar para as oportunidades existentes, daí ser importante ir conhecer e participar do evento. 

O PASSADO QUE MOLDOU O PRESENTE

                       O primeiro secretário de Planejamento de Rondônia, Luiz Cesar Auvray Guedes, esperando do lado esquerdo da foto, pelo governador Humberto Guedes, à frente dos demais, na abertura de ruas de Ariquemes. 

Dizem que os velhos vivem de lembranças. Bem, na minha cabeça, mesmo sabendo que sou um velho ainda continuo, mais ou menos, novo na medida em que ainda alimento sonhos. De forma que não sou um saudosista nato. Preciso que alguém me motive para voltar ao passado. E isto aconteceu, nos últimos dias, por conta do Lucio Albuquerque, ex-editor do Alto Madeira, que me fez retroceder no tempo ao perguntar sobre a passagem do geografo Milton Santos em Rondônia. É uma das histórias pouco conhecidas sobre o nosso Estado que, ao contrário do que se pensa, não cresceu sem planejamento. E isto se deve, sem dúvida, ao ex-governador Humberto da Silva Guedes e ao Capitão Silvio Gonçalves de Farias. O coronel Guedes, que na sua gestão elaborou o POLONOROESTE, programa que permitiu depois asfaltar a BR-364, com apoio da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste-SUDECO, além de criar uma estrutura administrativa diferente para o Território, criando as secretárias, contratou as primeiras equipes técnicas, e arregimentou a Universidade de  Brasília, além de outros especialistas de vários setores, como, por exemplo, os arquitetos Paulo Zimbres, que criou o primeiro sistema viário de Porto Velho, Paulo Magalhães, Silvio Sawaia, Antonio Carlos Cabral Carpintero e Roberto Monte-Mór, artífices da hierarquização urbana existente na época. São desta época o primeiro plano de Educação, de Saúde, de estradas, e a própria criação do DER, o Sistema Viário de Porto Velho, a abertura de novos municípios (foram criados mais sete municípios pela Lei 6.448, de 11 de outubro de 1977), um projeto de hierarquização urbana do Território e até um grande estudo para habitações adaptadas à região. A principal contribuição de Milton Santos foi ter feito um trabalho, com o apoio de técnicos locais, pensando o futuro,  que gestou os Núcleos Urbanos de Apoio Rural - NUARs, muitos dos quais, como os de Mirante da Serra ou Nova União, transformar-se-iam em futuros municípios. A idéia central foi a de distribuir a ocupação urbana espacialmente e dar apoio aos projetos de colonização para impedir a migração da população rural para os grandes centros. Se Rondônia, hoje, tem a pujança que possui, uma distribuição econômica equilibrada, vem deste trabalho de Guedes e do Capitão Silvio, que teve a notável contribuição de Milton Santos. Antes todos os centros urbanos ficavam na BR-364, inclusive por questão de acesso, Depois os novos municípios surgiram em cima dos locais planejados. Rondônia não é fruto do acaso. Há por trás de seu crescimento todo um trabalho de planejamento que teria continuidade com o Zoneamento Econômico Ecológico, uma ideia de técnicos locais para conter o desmatamento e unir economia e ecologia, que gerou a preservação e a criação de mais de sete dezenas de reservas. Esta, porém é uma outra história que deveria ser contada pelos seus principais autores, pessoas com grandes serviços prestados à Rondônia, como Joel Mauro Magalhães, Maria Emilia Silva e Emanuel Fulton Madeira Casara (Lito Casara). 

quarta-feira, maio 29, 2024

E Assim Foi

 


Seria impossível contar esta história sem que tivesse chegado em minhas mãos os alfarrábios de Luiz Ehrich de Menezes, do qual, no fim, sou um mero repassador. Ehrich, que foi vereador e virou nome da Câmara Municipal de Costa Marques, escrevia sobre fatos e coisas do Guaporé, pioneiro daquele município e profundo conhecedor de sua história. Um pesquisador no melhor sentido e tão enraizado na sua terra que afirmava que “sair daqui é uma questão de tempo, tempo do Guaporé secar e a serra mudar”. É dele a lembrança de Roman Corcova, um boliviano culto, boa praça, mas que falava tão devagar que, entre uma palavra e outra, levava, talvez, quatro minutos. Não que fosse gago. Era por ficar pensando na palavra seguinte. Muito dele o modo de falar. Um dia contou para o Luiz que, no porto, viu um fogo andando debaixo de uma mangueira que o impressionou tanto que marcou o lugar com um prego. Isto tinha sido quatro ou cinco anos antes. E o fenômeno repetiu-se na noite passada. Como tinha quatro barqueiros sem fazer nada no porto de Versalhes, então, Luiz propôs cavar um buraco no local para encontrar um possível tesouro enterrado. Como lá estava animado com a chegada da Coroa do Divino, para despistar, diríamos que estávamos cavando um sanitário. Roman se encarregou de conseguir as pás, enxadas e picaretas. E, da parte de Luiz Ehrich, entraria com os homens e a bebida. E assim foi feito. Mediu-se um buraco de dois metros por três, arranjou-se latas e cordas e lá pelo meio dia iniciou-se a abertura do buraco. Passavam pessoas e perguntavam o que se estava fazendo e a resposta era sempre a mesma: um sanitário para a comunidade. E os homens cavando até cair a noite e, de noite, continuaram com uma lâmpada Aladim. Com um metro encontraram o prego. Inexplicável como parou naquela fundura. Alcançava já os três metros quando a terra deixou de ser como virgem e virou superficial com vestígios de cacos de cerâmica misturada com terra negra. E prosseguiu, de forma redonda, com apenas um metro deixando de ser uma cavação uniforme. O serviço avançou mais rápido e, de madrugada, já tinha cinco metros de fundura quando terminaram os vestígios de terra não virgem. Um dos barqueiros de nome Rafael disse “Sabe, seu Luiz. Eu acho que somente enterra dinheiro ou riqueza quem é velho e velho não iria ter forças para cavar tão fundo. Quem tem forças para cavar são os novos e a gente nunca enterrou dinheiro, portanto estamos trabalhando feito bestas”. Foi a senha para desanimar de buscar o tesouro e deixar para lá. Não foi um trabalho vão. Dizem os cablocos que o que tem que ser tem muita força. E o buraco serviu mesmo para fazer um sanitário para a comunidade. Tinha que se fazer um sanitário mesmo, não é?

sexta-feira, maio 24, 2024

Recordando para Manter a Chama da Esperança


É verdade que não devia contar. Mas, com o tempo sempre a língua vai ficando solta e se perde até o receio de passar por vaidoso. O fato é que vivi uns tempos num seringal e matei muitas onças. Não foi por prazer nem por medo. Muitas vezes para salvar as galinhas ou um cachorro com o estranho nome de Cipó, só por ser um tanto compridinho. Lembro que não tive medo, exceto uma vez quando, inesperadamente, topei com uma no caminho. Matei algumas onças calmo, tranquilo, como se fosse um mateiro velho, um caçador experimentado. Só tinha um problema: depois, quando via o animal morto, me dava uma tremedeira incontrolável. Não sei se acontece com outros assim, mas tive essas reações retardadas. Um amigo meu de caçada me consolou afirmando que na hora de matar onça minha fleugma era britânica e que me comportava como um bom político que, mesmo culpado, frente à uma comissão de inquérito, se mantém como se estivesse explicando o óbvio. Hoje, certamente, diria como um dilapidador do erário público, mesmo diante da avalanche de lama e de denúncias, se diz inocente. Até mesmo o mais inocente do mundo. Não quero, no entanto, entrar neste campo da política até porque sou um tanto cético quanto à realidade dela e, aprendi, ser melhor ficar distante desta arena. Melhor é deixar o barco correr porque somente sobra para nós, aqui embaixo, os contribuintes. Não sou juiz para andar atrás de rombos, ocasionais ou não, bem ou mal remendados, nem tenho razões para avaliar o desempenho de algum piloto. Quero é ir empurrando o barco, pescando, quando posso, meu peixe e viver minha vida mansa. Nada de azucrinar comandante, de vez que, se o barco afunda, vamos pagar o pato e ganhar o que Maria ganha na capoeira. Se o barco está à deriva, ou não. Se o homem mente muito ou pouco, não sei, nem quero saber. Meu desejo maior é que o bom Deus permita que as coisas se arranjem, que possamos ter uma trajetória melhor do que a dos juros e dos preços altos. O que almejo mesmo é conservar a fleugma dos ingleses que já tive, nos velhos tempos do seringal, quando matava onças até sem ter balas de reserva. Não permanecer apático, não. Pode ser que, depois dos tempos ruins passados, até volte a reação retardada da tremedeira. Com certeza procuro ser mesmo é um bom brasileiro. Até com as coisas indo ruins continuar acreditando no futuro. Mais do que nunca é preciso cultivar a esperança. Afinal os aviões decolam contra o vento. E, hoje, sinto até vergonha de pensar que já matei onça. 

Ilustração: Biologia Net. 

A Lição do Rio Grande do Sul

 


O que, sem politizar no sentido menor, mas pensando na grande política, o que nos mostra o desastre das enchentes no Rio Grande do Sul? Mostra que, quando baixar as águas, ficará clara a incompetência do governo para cuidar dos problemas da sociedade. A questão mais evidente é a de que a defesa do estado como solução traz no seu bojo a ideologia de seja possível superar a impossibilidade de fazer a coleta, reunir e analisar as informações dispersas, de forma a se ser eficiente a partir de um poder central. No fundo isto é o que Mises denominou de “arrogância fatal”, para ele um perigo original que dorme dentro dos seres humanos, que é a tentação de pensar que pode ser capaz de controlar todas as coisas (aliás, outra forma disto são os modelos econômicos), o que, ao fim, é uma tentação de crer que somos Deus. Crer que o governo será capaz de criar uma sociedade melhor não é somente um erro intelectual, mas também uma ideia profundamente antissocial  na medida em que, quando se submete a liberdade, seja de ter, de se expressar e até mesmo empresarial, se violenta a individualidade, a capacidade do ser humano de escolher seus caminhos, à coletividade, isto sempre se faz, a partir de um partido, uma religião ou um estamento que dita o que a sociedade deve fazer. E daí, quando existe um comando, um pensamento, regras estabelecidas que impedem o dissenso como se pode garantir que se adote o melhor caminho? Como conservar a democracia? Como impedir que uma parte da sociedade garanta seus interesses em detrimento do todo? Além do mais, quando examinamos a fundo, o estado não cria nada. O estado, todos sabem, vive de impostos, ou seja, retira sua sobrevivência do que a sociedade produz, logo quanto mais cresce sua burocracia, quanto mais aumenta impostos, quanto mais suga os recursos, menos contribui para a liberdade, para uma sociedade melhor. E quando se tem regimes nos quais é impossível exercer o direito de criticar o governo, menor se torna a transparência e mais difícil fica da sociedade evoluir porque os recursos, sem fiscalização e sem observar as necessidades sociais, serão usados mais para satisfazer os caprichos dos governantes de plantão do que para o bem social. A enchente no Rio Grande do Sul é uma grande comprovação desta verdade. As ações dispersas das instituições, empresas e pessoas foram muito mais eficientes e mitigadoras da tragédia do que as ações governamentais. É preciso que a sociedade brasileira compreenda a lição e caminhe para termos uma sociedade com menos governo e mais liberdade, se desejamos conservar o ideal de um futuro melhor.

Ilustração: Infomoney. 

quarta-feira, abril 24, 2024

UM LIVRO DEMASIADO HUMANO

 


Recebi, por intermédio do influenciador cultural Vasco Câmara, o livro de João Luís Gonçalves “Cidadãos com Deficiência-Visão Histórica”, da Edições Vieira da Silva, de Lisboa, editado o ano passado, inclusive com dedicatória do autor. É preciso esclarecer que João Luís Gonçalves já é um autor conhecido por mim, mas seus livros anteriores versavam mais histórias, lendas, revoltas, sobre direito e até sobre o imposto, mas não sobre deficientes, que se trata de um tema muito importante e também, por outro lado, muito esquecido por se centrar numa faixa de pessoas minoritárias e, em geral, até mesmo mais discriminadas do que deficientes. Afinal, de uma forma ou de outra, todos nós somos deficientes. No livro João Luis, que já exerceu a função de Procurador da República em vários tribunais portugueses e, nos últimos anos, exerceu funções no Tribunal Administrativo de Funchal e de Loulé, bem como no Tribunal da Família e de Menores de Faro e, atualmente, como Procurador Geral-Adjunto do Tribunal Administrativo do Sul (Lisboa) nos brinda com muito mais do que uma visão apenas histórica da questão da deficiência. De fato, apenas sei que é sócio da Associação Portuguesa dos Deficientes, seu livro é um trabalho muito importante não apenas por buscar as raízes da questão da deficiência, e da forma como nos tempos mais remotos está já era motivo de discriminação na medida em que, mesmo nos povos mais antigos, se exigia que as pessoas fossem saudáveis e fortes para se defender, caçar e recolher alimentos. Também lembra que os cidadãos com deficiência, sem possuírem nenhum direito, eram eliminados por se constituir um encargo para seus familiares e comunidades. Até mesmo do livro Levítico relembra que Deus disse a Moisés que o homem cego, coxo ou com outras deformações não poderia ser sacerdote, o que mostra o arraigamento do preconceito inscrito até mesmo na religião. O que é muito importante, além da perspectiva história, é que João Luís Gonçalves mostra seu notável conhecimento sobre o tema ao fazer uma digressão sobre o tema que passa pelos seus aspectos religiosos, filosóficos, sobre a evolução dos direitos, o papel da igreja, pelo pensamento de muitos filósofos, sobre a tentativa de eugenia nazista, esterilização, estatísticas e até sobre a pandemia de Covid 19, sem perder a noção de ressaltar que a deficiência, efetivamente, nada tem a haver com o corpo, mas sim com a forma como a sociedade trata as pessoas. Também elenca uma série de entidades que apoiam os cidadãos com deficiência, o que, logicamente, está mais afeto à Portugal. Em muitos momentos fica evidente que a evolução do direito nem sempre é acompanhada pela realidade. O que, sem dúvida, também acontece no Brasil, porém um livro como este nos faz refletir sobre o quanto ainda estamos distantes de uma sociedade realmente digna, que olhe para os outros com a dignidade que deve ter. Só posso agradecer ao ilustre autor por me dar a oportunidade de aurir seus conhecimentos e, principalmente por tratar de um tema que honra seu autor. Afinal não precisamos perguntar por quem os sinos dobram.

quarta-feira, março 13, 2024

OS ORIXÁS EM CORDEL DE BULE-BULE

 

Quando conheci Antônio Ribeiro da Conceição, o grande mestre baiano Bule-Bule, ainda estávamos no século passado e ele fazia dupla com um outro nome, também famoso, Antônio Queiroz, que fizeram em conjunto o disco “A Fome e a Vontade de Comer”. Em Rondônia, fiz contato com eles em Porto Velho, trazidos por Luiz Malheiros Tourinho. E tive o prazer de vê-los cantando juntos, fazendo repentes e até compuseram uma música sobre o candiru, este peixinho capaz das maiores proezas em busca de um buraco. Este ano, depois de longo tempo, graças a existência do celular, Bule-Bule me liga e renovamos a saudade dos tempos em que, a meu pedido, cantou uma de suas mais românticas canções. Se reatar a amizade com esta lenda baiana já foi uma benção de Deus, então para melhorar muito mais o ano, ele me enviou suas produções. A maior parte delas são literatura de cordel, caminho pelo qual enveredou- e como tudo que faz-com enorme sucesso. Seus livros “Um Punhado de Cultura Popular”, “Rodolfo Coelho Cavalcante, Castro Alves e Outros Temas” são bons exemplos de sua lavra. Porém, sua produção é vasta e compreende muitos temas como “O violento Combate de Samuel Badulaque e José Cafussu contra o Tirano Memeu de Cazu” ou “A bem-Aventurada Santa Dulce dos Pobres: Irmã Dulce da Bahia” ou “Quatro Almas e Um Destino”.  Não há como citar todas, mas por aí se tem uma ideia de sua obra. O grande presente que me foi ofertado, entre outros, é a obra “Orixás em Cordel-Edição Ampliada”, uma edição primorosa da Tupynanquim Editora, com gravuras de Klévisson Viana. Trata-se, como afirma Marco Haurélio, um professor poeta pesquisador de cordel, da “mitologia dos orixás vertida em uma grande e coesa antologia para o cordel”. A literatura de cordel é uma arte muito popular no Nordeste e, sem dúvida, ainda há de ser muito mais valorizada do que é, porém o grande mérito do filho do sambador “Manoel Jararaca” é unir as lendas e os mitos, com muita graça e talento, em poemas de cordel que resgatam as raízes da vida dos terreiros. Um exemplo são os versos:

“Primeiro nasceu Xangô,

Oiá, Ogum, Ossaim,

Obaluaê depois,

Os Ibejis pra dar fim

À solidão de Iemanjá

Olodumaré quis assim.”

Ou neste outro:

“Mas, com a benção de Oxalá,

Exu teve amparo e fama,

Fortuna, prestígio e glória,

Bom projeto, ótimo programa,

É comandante de estrada,

Manda na encruzilhada

E um grande público o ama”.

Sem dúvida também um grande público deve amar as obras de Bule-Bule. Ler sua obra sobre os orixás me levou a recordar de Baden Powell com seus afro-sambas. A correlação tem sentido: para a literatura de cordel este livro sobre os orixás cria, como os afrosambas, uma vertente especial. Ave! Bule-Bule! Que os orixás te deem mais ainda inspiração para novos voos tão belos!

A INADIÁVEL NECESSIDADE DE INCENTIVAR A INDÚSTRIA NAVAL E A MARINHA MERCANTE

 


O Brasil é um país muito rico e, mais que rico, generoso, muito generoso com os outros países. Não falo apenas pelos investimentos do BNDES na Venezuela ou em Cuba, mas também com sua generosa relação com a China, em especial, e também com a Coréia do Sul, onde a Petrobras desenvolve projetos que beneficiam aqueles países. Um exemplo recente vem de Yantai, na China, onde foi construído o FPSO (Floating Production, Storage and Offloading, plataformas de processamento e produção de petróleo e gás) Marechal Duque de Caxias. O nome é de um herói nacional e a plataforma foi encomendada pela Petrobras para ser usada no pré-sal na Bacia de Santos. É preciso ver que de cada FPSO construída no exterior significa a perda de cerca de 6 mil empregos diretos e indiretos internos. E para um governo que diz apoiar a indústria naval brasileira pode-se ver a contradição, quando neste tipo de indústria especializada, um salário médio é de R$ 5 mil/mês, ou R$ 65 mil/ano. Isto significa a perda de R$ 390 milhões por ano apenas em salários. Encargos e benefícios representam uma perda adicional de R$ 425 milhões anuais. No total R$ 815 milhões por ano, fora gastos com seguro-desemprego, auxílio-doença etc. Em 3 anos, o prazo da construção, pode-se estimar que foram perdidos quase R$ 3 bilhões. E isto, de uma FPSO somente. Sem contar que não são apenas as perdas de postos de trabalho. Há outros, tão grandes quanto, como materiais e serviços não comprados no Brasil. E ainda os que são difíceis mensurar, como perda tecnológica. E, pasmem, que a plataforma Duque de Caxias utilizará uma tecnologia de separação em alta pressão (HISEP) desenvolvida e patenteada pela Petrobras. Na divulgação do FPSO, o grupo malaio MISC fala da tecnologia sem mencionar que esta foi desenvolvida pela estatal brasileira. Para um governo tão estatista, que defende tanto a nacionalização de empresas, o fato se reveste ainda de uma questão mais grave que é a de não se puder alegar a questão da competitividade ou rapidez na construção local. Inclusive, hoje em dia, países da Europa e da Ásia também não conseguem competir com a China, porém criaram mecanismos que garantem que a construção de determinados tipos de embarcações seja feita localmente, mesmo a um custo mais alto, garantindo para sua indústria encomendas, emprego e renda para a população. Até mesmo os  EUA pode ser apontado como um exemplo, pois qualquer navio, para operar nos portos e na costa norte-americana, deve ser construído nos EUA e ter bandeira americana, devido ao Jones Act, um mecanismo de proteção centenário. Isto tem uma razão lógica: a indústria naval e offshore é considerada de importância estratégica e é apoiada e incentivada pelos governos, inclusive por sua importância econômica. E o Brasil, na contramão da história, prossegue sem ter uma indústria naval e uma marinha mercante desenvolvida. É preciso estimular, por meio de políticas de Estado, a construção naval e a marinha mercante, de vez que as políticas nacionais precisam estimular tanto a indústria naval quanto  a navegação de longo curso e incentivo ao crescimento da bandeira própria, na cabotagem e na navegação interior, para não dependermos apenas das megatransportadoras globais que dominam o transporte marítimo internacional.