A MAÇA DA CULTURA IMATERIAL
Uma questão que sempre foi fascinante, para mim, é a do que seja patrimônio artístico ou cultural. Deparei com este tipo de problema muito cedo por conta do fato de que, em Fortaleza, cidade onde nasci, há um arraigado “cearencismo”, ou seja, os intelectuais da terra procuram preservar seus valores e tradições que, na época, eram mesmo prédios e coisas, como a literatura de cordel ou os desafios de repentistas. Confesso que, no início do rock, as guitarras eram horripilantes invasores estrangeiros e até mesmo os Beatles, nu m certo momento, até por conta das idéias políticas, me parecia uma distorção de valores e uma alienação da juventude. Depois me rendi, porém, não sem antes perturbar muito a cabeça de amigos meus, e nem tão amigos assim, com a obstinação nacionalista e o humor ácido dos conservadores. Parece que, de alguma forma, sempre fui jurássico.
Lembro-me que lamentei profundamente o desaparecimento de uma espetacular residência da Avenida Santos Dumont, chamar de residência era um palavrão, na verdade, um palácio que ocupava um quarteirão inteiro. Nem me lembro mais de quem foi ou porque fez, nem mesmo seu valor histórico- se é que tinha-porém, para o meu olhar juvenil, aquilo era uma riqueza que deveria ser preservada a qualquer custo. Não tinha a mesma importância para as autoridades e os empreiteiros tanto que, um dia, inesperadamente, foi tombado, tombado mesmo, posto no chão sem dó nem piedade. Aquilo me pareceu um crime inominável e os protestos foram episódicos e a cidade continuou a crescer como se nada tivesse acontecido. Ali tive minha primeira grande lição de preservação de patrimônio: só se preserva quando existe alguém para lutar por algo. Somente, em Rondônia, muito tempo depois, com a Madeira-Mamoré, aprendi também que o oposto é verdadeiro: muitas vezes somente se destrói quando existe alguém para lutar por algo. Isto é o que faz complicada a questão da preservação de qualquer patrimônio. No fundo- e isto esclareceu com clareza e consciência a professora Silvana Rubino, da UNICAMP, na sua palestra no curso de Gestão Cultural que o Observatório Cultural do Itaú realiza em Porto Velho, o patrimônio é uma questão de classificação e não pode ser tudo ou, de fato, se torna impossível haver uma política de preservação. Se tudo é importante, então nada é possível de ser defendido como de interesse geral e de preservação. Isto é sumamente importante quando se pensa na definição dada pelo Iphan de patrimônio imaterial que é a seguinte:
Uma questão que sempre foi fascinante, para mim, é a do que seja patrimônio artístico ou cultural. Deparei com este tipo de problema muito cedo por conta do fato de que, em Fortaleza, cidade onde nasci, há um arraigado “cearencismo”, ou seja, os intelectuais da terra procuram preservar seus valores e tradições que, na época, eram mesmo prédios e coisas, como a literatura de cordel ou os desafios de repentistas. Confesso que, no início do rock, as guitarras eram horripilantes invasores estrangeiros e até mesmo os Beatles, nu m certo momento, até por conta das idéias políticas, me parecia uma distorção de valores e uma alienação da juventude. Depois me rendi, porém, não sem antes perturbar muito a cabeça de amigos meus, e nem tão amigos assim, com a obstinação nacionalista e o humor ácido dos conservadores. Parece que, de alguma forma, sempre fui jurássico.
Lembro-me que lamentei profundamente o desaparecimento de uma espetacular residência da Avenida Santos Dumont, chamar de residência era um palavrão, na verdade, um palácio que ocupava um quarteirão inteiro. Nem me lembro mais de quem foi ou porque fez, nem mesmo seu valor histórico- se é que tinha-porém, para o meu olhar juvenil, aquilo era uma riqueza que deveria ser preservada a qualquer custo. Não tinha a mesma importância para as autoridades e os empreiteiros tanto que, um dia, inesperadamente, foi tombado, tombado mesmo, posto no chão sem dó nem piedade. Aquilo me pareceu um crime inominável e os protestos foram episódicos e a cidade continuou a crescer como se nada tivesse acontecido. Ali tive minha primeira grande lição de preservação de patrimônio: só se preserva quando existe alguém para lutar por algo. Somente, em Rondônia, muito tempo depois, com a Madeira-Mamoré, aprendi também que o oposto é verdadeiro: muitas vezes somente se destrói quando existe alguém para lutar por algo. Isto é o que faz complicada a questão da preservação de qualquer patrimônio. No fundo- e isto esclareceu com clareza e consciência a professora Silvana Rubino, da UNICAMP, na sua palestra no curso de Gestão Cultural que o Observatório Cultural do Itaú realiza em Porto Velho, o patrimônio é uma questão de classificação e não pode ser tudo ou, de fato, se torna impossível haver uma política de preservação. Se tudo é importante, então nada é possível de ser defendido como de interesse geral e de preservação. Isto é sumamente importante quando se pensa na definição dada pelo Iphan de patrimônio imaterial que é a seguinte:
[...] Entende-se por Patrimônio Cultural Imaterial as práticas, a forma de ver e pensar o mundo, as cerimônias (festejos e rituais religiosos), as danças, as músicas, as lendas e contos, a história, as brincadeiras e modos de fazer (comidas, artesanato, etc.) – junto com os instrumentos, objetos e lugares que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e as pessoas reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural e que são transmitidos de geração em geração. O instrumento legal que assegura a preservação do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil é o registro. [...]
Fantástico. O bom disto é que pode ser qualquer coisa. O mal também. De qualquer forma é uma definição frutífera. Cabe nela o frevo, o samba, as panelas e até o Santo Daime. Fazer o quê? A vida não tem limites.
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