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terça-feira, setembro 15, 2020

FLUTUANDO A FAVOR DO VENTO

 


Confesso que sou uma pessoa muito medrosa. Diria que até mesmo, como uma pessoa que tenta pensar, procura pensar, alguém que tem mais medos do que o normal, na medida em que se preocupa mais, estuda mais os diversos ângulos dos perigos. E perigos há muitos que a vida é uma aventura perigosa por mais tranquilo que seja você e por mais paz que deseje na vida. Aqui lembro, imensamente de meu pai, que repetia um bordão para nos incitar a sermos corajosos “Ou mato ou morro! Ou me escondo no mato ou escalo o morro!”. Aliás, dele há uma poesia que lembra muito o significado do heroísmo, cujos os versos, numa linguagem antiga, são reveladores: “No sucavão da glória! No sucavão da glória, eu vi as cuecas do herói”. Esta rememoração provém de que, como os chineses, meu pai dizia que “briga não é um comportamento de pessoas civilizadas” e aconselhava a correr delas, todavia, como os chineses,  recomendava que entre “eu” e “você” não existe alternativa, ou seja, nas situações extremas não é uma questão mais de ter medo, é uma questão de sobrevivência . Pensava nisto, com a morte de alguns amigos, de um grande amigo, em particular, o Carlinhos Toledo, com esta epidemia do vírus, do novo coronavírus. Quando o inimigo é imponderável e nos rouba coisas preciosas, como compartilhar a convivência, beber e rir juntos, abraçar uma pessoa querida, um amigo, não se tem também alternativas. Nestes meses de isolamento, com as restrições que ainda temos, mesmo que relaxadas, tivemos que relaxar o desejo tão acalentado de retomar a velha forma de vida, que continua a ser apenas um desejo. Por mais que queiramos, parece improvável que se possa usar o mundo, lá de fora, como no passado: a magia das saídas noturnas, dos bares, do futebol, dos jantares, da curtição do espaço público, do ar livre, de passear entre outras pessoas, por mais tentador que seja, é um risco, um grande risco. E, olhando para os que se foram, não há como não pensar na nossa vulnerabilidade, pensar que hoje estamos aqui, mas, tudo é tão rápido, tão fluído, tão frágil que, amanhã se foi, que nem teremos mais consciência da luz, da cor, da beleza do calor do qual tanto reclamamos e até da fumaça que nos faz respirar pior. Sei que já me perdi neste mar de pensamentos bobos- e a bobagem também faz parte da humanidade. Mas, é que, de qualquer modo, o isolamento me lembrou de uma verdade óbvia: não preciso nem sair de casa, nem  ficar imerso na televisão ou na internet, para me divertir. Voltei ao velho hábito de ler muito, que, com os whatssaps, os Facebooks, e-mails e sites tinha negligenciado. Adquiri, novamente, o velho hábito de beber vinho, duas taças, meia garrafa, no máximo, com sorvete e até me deixei ficar mais na cama, sem ter o que fazer, só pelo prazer de me espreguiçar, de curtir o prazer de não fazer nada. Esqueço o micro desligado, o celular e até as horas. Nada mais de me ligar no noticiário (excessivo nas notícias ruins), nem no econômico. Até arranjei uns mantras para meditação. E só busco falar, fazer coisas que me dão prazer, e bem devagar. E escrevo. Escrevo muito. Escrever, no entanto, é uma forma de prazer. E a vida? A vida está mais leve. É bom flutuar nela como uma pena ao vento. E lá vamos nós!

 

Ilustração: http://faceafaceblog.blogspot.com/.

 

 

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