O mundo nunca foi justo.
Quando mais jovem acreditei na utopia de que a nossa geração, os nascidos na
segunda metade do século XX, poderiam transformar o mundo num lugar de maior
justiça social. Era um sonho das pessoas jovens e, grande parte de melhor
formação da sociedade brasileira, muitos dos quais se embeberam de Marx,
Engels, Gramsci, Marcuse e Jean Paul Sartre, que se apresentava como o
intelectual engajado com as causas
sociais, acreditavam na capacidade de fazer mudanças rápidas. Havia a crença,
pouco justificada cientificamente, de que seríamos capazes de mudar as
condições sociais pela atuação dos intelectuais e pela conscientização dos
trabalhadores. Olhando para trás não há como não sorrir da nossa ingenuidade. O
conceito de classe social marxista em que nos baseamos-só os cegos pela
ideologia-não conseguiram ver que se dissolveu pela realidade. Marx, que no fim
da vida não era mais marxista-possivelmente torceria o nariz para uma
infinidade de intelectuais que se dizem marxistas por repetir chavões sem nenhuma
correlação com a realidade moderna. E olhe que Marx, apesar de seu indiscutível
talento, depois de arrasar intelectualmente Bakunin ouviu dele a sua sentença
definitiva quando confessou, com humildade, que não tinha condições de discutir
com ele, mas, que, em compensação, Marx “não entendia nada da natureza humana”.
Aliás, ele passou a vida inteira, praticamente, sem conseguir manter sua
própria vida, o que, no mínimo, é constrangedor para quem se julgava capaz de
tudo explicar. Há uma imensa quantidade de imitadores atuais-até mesmo sem
saber. Principalmente jovens que não arrumam a própria cama, não se sustentam,
não possuem formação intelectual, muitas vezes, nem exerceram qualquer tipo de
trabalho, mas, se propõem a mudar o mundo. São os próprios homens que classificam
os outros de mocinhos, bandidos, santos, medíocres, bons, ruins. Em geral, sem
ter nem consciência da régua que usam para medir os outros e, menos ainda de
que a história da humanidade tem sido uma história de vencidos e vencedores.
Que o que fez o mundo avançar mais do que a educação foi o desejo de poder. E
domar o egoísmo, o desejo de dominar, de poder dos homens é um processo, infelizmente,
muito lento. É muito fácil julgar o passado e queimar, sem nenhum senso de ridículo
e de falta de civilidade, a estátua de Borba Gato como se ele tivesse sido
apenas um exterminador de índios, mas, a grande realidade é que a natureza
humana mudou muito pouco, embora revestida de mantos mais elegantes. Esta aí, explodindo
em nossos rostos, o problema do Afeganistão, que, no fundo, não é diferente das
guerras de conquistas do passado (os escravos é que mudam). Nem do ambiente
esfumaçado e obscuro do Brasil onde uma pandemia exacerbou a luta pelo poder
sem nenhum respeito ao sofrimento dos mais pobres. E me espanta ver que pessoas
que pensam que pensam tomar partido numa luta que só tem como vítima a
população brasileira. Talvez, de vez que o mundo não mudou na sua essência, o
que tem de novo na antropofagia brasileira é que os limites da capacidade de
analisar estão totalmente perdidos e a nossa dita elite se comporta com o
apetite dos conquistadores antigos. Enfim, a ferocidade do passado não
desapareceu. Agora desfila impune no palco político, no Facebook, no Whatsapp,
na vida real com a naturalidade com que os
índios andavam nus e comiam os inimigos antes e durante os séculos iniciais da
colonização.
Ilustração: http://revoluciomnibus.com/.