O Brasil, depois da
redemocratização nos anos 80, experimentou o surgimento de uma redefinição dos
papéis dos setores públicos e privados que resultou na consolidação de uma
esfera autônoma da sociedade civil,na medida em que nosso país havia sido,
mesmo durante todo o processo de modernização efetuado pelos militares, uma
sociedade patriarcal e oligárquica que se destacava pelo sufocamento do setor
privado sempre sujeito aos ditames do governante de plantão. A sociedade
brasileira, mesmo com todos os avanços, jamais deixou de ser, efetivamente, uma
sociedade mais estatal que de mercado porque o governo tentava controlar e
ditar o que se deveria e como se deveria construir o desenvolvimento. No centro
de tudo a falta de construção do que costumamos chamar de cidadania.
Desenvolver, em seus termos finais, é construir a cidadania, permitir que os
cidadãos possam ter as mesmas oportunidades, certeza de horizontes e justiça
social.
Mas, somente com liberdade
política e econômica é possível construir cidadãos. Minhas objeções aos
programas assistencialistas não são porque não sejam necessários, mas, sim que
devem ser meios de melhoria da vida e não fim ou solução para os que deles
necessitam. E não posso deixar de confessar que, ao contrário do passado quando
possuía uma crença no estado como agente de solução social, hoje, mantenho uma
enorme margem de desconfiança de quem o prega como caminho de melhoria de vida.
Afinal, quem defende sempre está empoleirado no poder e o poder, como bem sabe
quem já se aproximou dele, não costuma ter preocupações que não sejam o da sua manutenção,
seja das pessoas seja de partidos.
A história brasileira moderna, da
construção de uma cidadania maior, de fato, não surgiu do estado, mas, da
contestação ao estado, da criação de novos espaços e formas de participação e
relacionamento com o poder público que foram construídos por demandas e lutas
de resistência da população e de movimentos sociais que deixaram claro sua capacidade
de auto-organizar-se e de lutar por seus direitos. Em parte a apatia política
em que vivemos provém do desmanche que Lula da Silva realizou dessa agitação
antigovernista expressa em greves e demandas públicas, ao cooptar os movimentos
populares e sindicatos, e sedá-los com benesses e cargos públicos, despolitizando
os setores mais reivindicativos e impedindo que houvesse um processo de
crescimento dessas esferas. Hoje, o PT paga o preço de ter se descaracterizado,
de empobrecer depois de ter sido o único partido que chegou a criar
capilaridades sociais e as jogou fora pela manutenção do poder no curto prazo.
Como resultado da estagnação do
processo político, o Brasil vive à míngua de novas ideias. A política,
infelizmente com a ajuda da imprensa na sua grande parte, é gerida pelos
balcões de negócios. Sem as reformas políticas, das relações de trabalho e
tributária, cuja oportunidade de fazer é sempre protelada por medidas pontuais,
nós estamos nos desindustrializando e ficando sem competitividade, sem futuro
mesmo. Anunciam-se pacotes disto, daquilo e daquilo outro, mas, não se muda o
rumo, não se tem a coragem de fazer o que deve ser feito. E empurrando com a
barriga somente vamos de eleição em eleição vendendo a ilusão de que tudo está
bem. Mas, como tudo tem limite, empurrar com a barriga é uma forma de agravar
os problemas até que a insatisfação volte a empurrar a população contra o
governo. E isto, por ironia, parece que irá acontecer não por meio da política,
que dorme em berço esplendido, mas, pelos sintomas econômicos que se refletem
nas greves, no endividamento e na queda do consumo. Fazendo mais do mesmo, como
tem sido feito, as coisas tenderão a piorar. Não há refeição grátis, como sabem
todos que precisam ganhar o pão de cada dia.
Um comentário:
Caríssimo Silvio,
Quando imagino o Brasil de amanhã, com os frutos do Bolsa família já maiores... sem estudo, com pais que não mais recebem a 'forcinha' financeira do governo e não trabalham... e sem condição de gerar mais filhos... dá um medo!!!
A violencia vai aumentar e o Brasil será um pais de miséria.
Parabéns pelo artigo.
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