Os
cem anos de Vinícius de Moraes
Na
verdade conheci a poesia de Vinícius de Moraes antes de conhecê-lo. E digo
conhecê-lo mesmo por suas obras e por uma admiração que se estendeu a outros
grandes nomes da música brasileira que foram, são, o inesquecível Tom Jobim e o
então jovem violonista e também notável compositor Toquinho. Vinícius me
conquistou, sem quem soubesse quem era, pela maravilhosa letra de “Serenata do
Adeus”: “Ai, vontade de ficar, mas, tendo que ir embora/Ai, que amar é se ir
morrendo pela vida afora/É refletir na lágrima, um momento breve/De uma estrela
pura cuja luz morreu”. Bastaria ter feito isto para já ser considerado um dos
grandes poetas brasileiros.
Vinícius,
no entanto, era uma fonte permanente de poesia e de musicalidade. Se, nos versos
do ‘Soneto da Separação”, se observa um poeta à vontade e radicalmente elegante
e belos nos versos: “De repente do riso fez-se o pranto/Silencioso e branco
como a bruma/E das bocas unidas fez-se a espuma/E das mãos espalmadas fez-se o
espanto”, logo, com a adesão à música popular seus versos se tornariam quase
coloquiais, sem a grandiosidade do passado, mas, com a generosidade muito mais
sofisticada das coisas simples, como em “Como dizia o poeta”: Quem já passou/Por
esta vida e não viveu/Pode ser mais, mas, sabe menos do que eu/Porque a vida só
se dá/Pra quem se deu/Pra quem amou, pra quem chorou/Pra quem sofreu, ai/Quem
nunca curtiu uma paixão/Nunca vai ter nada, não”. É, de certa forma, uma
radiografia da alma de um poeta que se fez maior pela capacidade da paixão,
pela dilacerada, humana e inútil busca de ser feliz.
Vinícius
faz cem anos mais vivo do que nunca. Foi um dos poucos ídolos que vi de perto,
num bar do Leblon, numa roda de amigos conversando e bebendo, porém, com toda a
tietagem que havia em volta, ele pairava como um ser tranqüilo e plácido, com
uma calma que, hoje, seria considerada incomum. Tive também, como fã
incondicional, o privilégio de vê-lo, inúmeras vezes, num antológico show com
Tom, Toquinho e Miúcha, no Canecão, onde fizeram uma temporada de sete meses de
casa lotada. Cada apresentação que assisti foi uma celebração. Havia muita
poesia, vida, paixão arrebatadora e, embora o script fosse o mesmo, nada era
igual. Artistas extraordinários ao vivo acompanhados de grandes músicos e
vocalistas criavam momentos incomuns. Lembro que até mesmo Roberto Carlos
apareceu para dar uma canja antológica cantando “Lygia”. A sensação que tive
permanece até hoje: poucos terão o prazer de assistir algo assim que me
acompanhará na memória enquanto esta houver. Foram momentos únicos e,
recentemente, revivi, mais de 30 anos depois, um pouco deste clima com um show
de Toquinho, em Búzios, em homenagem ao “Poetinha”, quando cantou suas
parcerias com o acompanhamento de toda a praça.
Vinícius
faz cem anos. Fará duzentos, trezentos, mil e tantos. Quem escreveu um poema como
“Dialética” não sai de cena enquanto houver o idioma nacional e o mínimo de
inteligência: “É claro que a vida é
boa/ E a alegria, a única indizível emoção/ É claro que te acho linda/ Em ti
bendigo o amor das coisas simples/ É claro que te amo /E tenho tudo para ser
feliz/ Mas, acontece que eu sou triste...”. Somos, ficamos mais tristes com a
falta de sua presença e criação, mas, como ele mesmo diz em “Poema de Natal” :“Pois
para isso fomos feitos:/Para a esperança no milagre/Para a participação da
poesia/Para ver a face da morte/ -De repente nunca mais esperaremos...Hoje a
noite é jovem; da morte, apenas /Nascemos, imensamente”. Saravá Vinícius de
Moraes! Um brinde por nós que sabemos que apenas virastes passarinho.
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