É muito característico
da época, e de grande atualidade, o filme
“Hannah Arendt”, da escritora e cineasta Margarethe Von Trotta (“Os Anos de
Chumbo”), que passeia por um período da vida dela, que vai de 1961 a 1964,
bastante turbulento para Hannah, vivida por Barbara Sukowa (“Lola”), em
excelente desempenho. É um filme que mostra a filósofa que foi encarar o
monstro Eichmann, acusado de matar milhões de judeus, e encontrou um burocrata
medíocre (e os burocratas medíocres são os que mais banalizam o mal). E foi em
torno deste choque que ela foi capaz de observar e tentar entender o que chamou
de banalidade do mal, com uma coragem e uma honestidade intelectual incríveis,
que, como sempre acontece com quem têm, lhe causou um enorme mal-estar, muitas
incompreensões, hostilidades e perseguição no seu trabalho e à sua figura. A
busca de Hannah Arendt foi sempre a de querer entender e, de forma original,
compreendeu que o mal pode se originar não da monstruosidade de uma opção
política ou ideológica, mas, simplesmente da obediência cega, da inabilidade
para pensar autonomamente e até mesmo da falta de motivo, do simples fato de
que pessoas que não pensam, muitas vezes, somente sabem ter inveja, buscar
tirar o brilho de quem tem brilho. É o que se vê, muitas vezes, em burocratas,
ainda mais quando crentes em alguma ideologia ou no próprio papel que
desempenham. Julgam, condenam, difamam, falam sobre coisas que não entendem,
repetem bordões ou palavras de ordem sem pensar e atingem as pessoas sem
compreender que, neste mundo de Deus, tudo tem volta, há uma lei inexorável que
é a do retorno. Mas, essas pessoas, incapazes de pensar, são cheias de certezas
e preconceitos. E, por mais que o filme fale do passado, o mal e sua banalidade
estão a toda hora à nossa volta, todos os dias.
O filme “Hannah Arendt”
é, portanto, muito atual, atualíssimo. É uma narrativa simples, clássica,
esclarecedora que não somente revela uma trajetória, um pensamento portentoso
de uma figura humana admirável, como também demonstra que não é fácil se ter
honestidade intelectual. Porém, o que mais me agrada é o comportamento da
personalidade de Arendt que mostra um traço que admiro muito nas pessoas, e que
sempre procurei cultivar, que é o de respeitar e procurar entender o outro, até
mesmo quando se trata de adversários, de vez que jamais tive inimigos, embora,
os que vivem no mal e sua banalidade, escolham seus inimigos de uma forma
preconceituosa e aleatória e, não poucas vezes, justo a quem deveriam
agradecer. Hannah Arendt era um ser assim e quem é capaz de buscar entender os
outros, de gostar mesmo contra os evidentes defeitos, por compreender que as
falhas são próprias da humanidade, certamente, se torna um ser humano melhor.
O filme tem o mérito de
resgatar um tema polêmico e que nos desafia modernamente. E, entre outras
coisas, tem o dom de desmistificar o pensamento comum de que exista uma entidade
“o mal”, oposta a outra, “o bem”, num claro reducionismo, pois, seria muito
confortável se o mal fosse um alvo externo, localizável, eliminável, mas, para
desespero dos simplistas, dos que pensam em preto e branco, o bem e o mal estão
dentro de nós mesmos, fazem parte de nosso miséria humana, de nosso DNA. Mesmo
as melhores pessoas podem ser as piores, dependendo das condições e do momento.
A banalidade do mal está em que, de fato, este tem suas raízes no próprio ser
humano e enfrentá-lo não é tarefa fácil tendo em vista que as fronteiras entre
o bem e o mal são tênues, quase que imperceptíveis, em especial, num mundo
onde, muitas vezes, a verdade é a mentira propagada por muitos. O mal, de fato,
nunca antes foi tão banal.
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