Um dos setores mais
profundamente impactados pela crise do coronavírus foi o setor cultural, em
especial a denominada economia criativa, a parte da economia que engloba todas
as expressões de criatividade da arte e inovação. Não é preciso pensar muito
para ver, por exemplo, que, com o confinamento, não se acabaram apenas as
apresentações de artistas em eventos ou shows, o que representa uma imensa
perda de receitas não somente para eles, como também para toda uma série de
pessoas que se movimentam em sua volta, que operam transportes, sons, imagens,
negociações, contratos e direitos. Isto não se restringe, porém, aos artistas
renomados, pois, mesmo os cantores de barzinhos, os grupos que se apresentam em
restaurantes ou churrascarias também ficaram órfãos durante esta epidemia.
Pode-se dizer que não. Que as lives, as apresentações ao vivo se sucedem, com duas
ou três, no mesmo dia. Isto é fato, no entanto, elas são feitas mais como uma
forma de continuarem presentes do que rendem recursos para os artistas. Muitos,
aliás, o fizeram mais como um meio de ajudar os necessitados ou comemorar
alguma coisa, de vez que somente grandes empresas, como a Google ou a Netflix,
conseguem ganhar dinheiro com a internet. Mas, não são apenas os artistas que
sofreram com a crise. Imagine os museus ou exposições de artes que precisam ter
público para sobreviver? Nem vou falar dos cinemas, das festas, inclusive as
costureiras e pessoas que vivem delas e dos teatros que foram fechados à força
para evitar a transmissão do vírus. Esta crise do coronavírus tem uma
característica que é ímpar: é globalizada, mas, seu impacto é sentido muito
mais fortemente na vida local. Afinal todos nós, querendo ou não, fomos
forçados ao recolhimento, a voltar a viver nos nossos ninhos, nas nossas tocas.
Esta crise tem um lado cruel que é o de nos impedir a convivência, o
entrelaçamento, o que, principalmente, para nós, brasileiros, efusivos, que gostamos
de abraços, apertos de mãos e beijos, dos encontros nos locais de lazer é uma
verdadeira sentença de morte para o cultivo das amizades. É uma crise que nos
força, nos induz à solidão. Muitos argumentam que, neste momento, nunca antes
fomos tão digitais. Talvez também tenhamos muito mais contatos via e-mails, Twitter,
Facebook, Whatsapp e Instagram do que antes. Até mesmo utilizamos muito mais os
bate-papos em vídeos ou as videoconferências. É verdade sim. Tivemos que nos
adaptar a uma realidade que nos limita. Mas, duvido que, qualquer pessoa, por
mais boa companhia que tenha, por melhor que esteja passando, não tenha
saudades de dar um bom dia a um desconhecido, de poder beber uma cerveja ou um
cafezinho, de dizer: -vou até ali assistir fulano cantar ou ver uma peça ou um filme.
Por mais bem acompanhado que você esteja não tenho a menor dúvida: somos
prisioneiros em nossas próprias casas. Deserdados da cultura na medida em que
não é possível uma cultura de qualidade sem a presença física, sem o
compartilhamento. Esta, por incrível que pareça, é também uma crise de solidão.
Amputaram uma parte considerável da nossa cultura quando nos impedem de ir e
vir e de trabalhar fora de casa. E sem cultura e sem convivência somos muito
menos humanos.
Ilustração: https://colorador eview.colostate.edu/.
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