Sem dúvida muitas coisas no mundo mudaram para melhor. Apesar de todo o clamor que as reclamações por justiça e por igualdade reverberam, no entanto, é preciso verificar que se baseia, em geral, numa tese falsa: a de que o capitalismo não melhorou as condições mundiais. Muitas coisas melhoraram muito, inclusive a liberdade de expressão. Basta ver que, com as redes sociais, se mobiliza a população, sobretudo jovens, para contestar formas de autoritarismo e até mesmo as práticas da administração pública até em nações onde a imprensa não é livre. Mas, é preciso deixar claro também que, algumas coisas, como o poder não mudaram. Ao contrário os poderosos se tornaram mais poderosos ainda. Neste sentido, é preciso ter a visão do que, de fato, é atentado à liberdade de expressão e o que não é. Uma resposta dura de um dirigente contra uma pergunta impertinente, mal educada e até grosseira de um repórter (muitas vezes despreparado ou mal intencionado) não é um ataque à liberdade de expressão, por exemplo. É um ataque existir uma política de buscar atingir os órgãos e os jornalistas de oposição. Mas, também aqui, isto não significa, como hoje, muitas vezes, se procura impingir que o governo tenha obrigação de sustentar empresas que o atacam. Assim, é possível que, de fato, muitas vezes, quando se reclama de ameaças à liberdade de expressão, acabe se fazendo o jogo de quem deseja apenas continuar vivendo de verbas públicas. A liberdade de expressão está em risco no Brasil? Não. Aumentou o risco da liberdade de expressão nos últimos tempos no país? Não. Algo similar ocorre nos EUA onde não é o fato de Trump não gostar de responder a perguntas ou não receber alguns jornalistas que põe a liberdade de expressão em risco. No Brasil e nos Estados Unidos é um fato que nunca se teve tanta liberdade de expressão. Nos dois países, com certeza, a liberdade de expressão é tão livre que se fala muita coisa que não se deve, ou seja, até abusam (e muito) dela.Aliás, os politicamente corretos, como muitos outros que se revestem de ovelhas em sua defesa, desejariam mesmo era cercear tanto a imprensa, quanto a mídia social. Estranho é que a organização não-governamental londrina “Article 19” acaba de lançar o documento “Global Expression Report 2019/2020” que, segundo sua diretora-executiva Quinn McKew, traz “resultados preocupantes” afirmando que “a deterioração do direito de falar e saber gerou uma atmosfera de medo e desconfiança, com jornalistas e ativistas em todo o mundo sob risco de perseguição, detenção arbitrária, tortura e assassinato”. Receio que o documento reflita mais certa “visão” do que a realidade, pois, classifica a China, Índia, Turquia, Rússia, Bangladesh e Irã como “em crise”. Até aí tudo bem, embora, convenhamos, faltam outros países onde é notória a completa falta de liberdade de expressão, mas, afirmar que países como os Estados Unidos e Brasil apresentam “declínios acentuados” de liberdade de expressão é, no mínimo, um erro metodológico enorme ou, o que pode ser muito pior, um viés da forma como o estudo foi feito. Há partes do documento que são bem feitas, mas, algumas afirmações me parecem totalmente infundadas para respaldar os resultados como as de que a crise da saúde é também a crise da liberdade de expressão, ou que, nos EUA, aumentou as respostas negativas a pedidos de informação, bem como que os governos locais e estaduais restringiram o acesso da imprensa a eventos públicos. Ora, convenhamos, jornais não são neutros. Se atacam os governos, e normalmente o fazem, a própria Ong reconhece, a reação é normal. Também chega a ser risível a afirmação de que o Departamento de Justiça continuou a perseguir o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, nos termos da Lei de Espionagem e buscar sua extradição do Reino Unido. Como também dizer, ou sugerir, que o acirramento, a polarização das mídias sociais, seja um sintoma de problemas de liberdade de expressão, quando reflete o maior interesse por política, se bem que exposto com a falta de educação vigente. Ou que o presidente Bolsonaro fez pessoalmente dez ataques a jornalistas por mês! Ele bateu em alguém? Prendeu algum? Impediu de dizer o que pensa? Bem, como um esforço para verificar o estado da liberdade de expressão, o documento tem seus indiscutíveis méritos, mas, a meu ver, deveria ter pessoas de diferentes visões para analisar seus dados. Não posso assegurar que a minha visão seja melhor, mas, para dizer que a liberdade de expressão “está declinando” falta, pelo menos, ao documento um referencial temporal e uma análise mais teórica do que seja “liberdade de expressão”, embora sobrem indicadores dela. Para quem desejar ler o documento o acesso é possível no link https://www.article19.org/wp-content/uploads/2020/10/GxR2019-20report.pdf.
Ilustração:
http://jornalheiros.blogspot.com/.
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