Inevitável é tratar das manifestações
nas ruas brasileiras, mas, a verdade é que, como qualquer outro fato, num mundo
de rápidas transformações e excesso de notícias, até mesmo as manifestações,
depois de uma semana, parecem repetitivas e tão velhas quanto às respostas que
o governo dá ao movimento. Por isto, procuro aspectos que fujam das visões
tradicionais sobre esta onda que percorre as ruas. E, para mim, um deles diz
respeito à questão da imprensa e sua atuação inclusive nas manifestações.
Na Veja, desta semana, o ministro das
Comunicações, Paulo Bernardo, numa análise lúcida, afirma que não é possível,
como desejam inúmeras alas governistas, controlar a informação ou, como dizem,
num eufemismo pouco esclarecedor, regular a mídia. É evidente que a mídia,
impressa, ou não, tem que formar e informar e, neste sentido, não pode nem deve
estar atrelada a nenhum governo. A realidade brasileira é que, por uma questão
econômica, e até política, na medida em que a proibição de muitos tipos de
publicidade, como de bebidas e cigarros, tornou a sobrevivência delas
extremamente dependente de verbas ou benesses governamentais. E, ao contrário
do que afirmam os militantes partidários do governo, a mídia é extremamente
benevolente com o governo e a Rede Globo, mais ainda, apesar de estigmatizada
como protótipo da mídia elitista, concentrada e manipuladora, espécie de
oposição sistemática ao governo e representação por excelência dos interesses
capitalistas mais empedernidos.
Esta mistificação, a mesma dos
discursos de Lula contra elite quando ele é a encarnação da própria elite, foi
desmistificada pela atuação da TV Globo nas manifestações de rua. A verdade é
que, seguindo à risca seu papel de mantenedora do status quo, a rede omitiu,
como sempre fez, os movimentos o quanto pode. Afinal é uma beneficiária direta
do governo petista tendo, somente nele, saído de sua situação deficitária,
inclusive no exterior, e obtido empréstimos do BNDES, que o governo FHC nunca
lhe concedeu. E, observe-se que sou imparcial em relação à Globo, é uma empresa
de padrão de qualidade internacional e que se mantém, mesmo com inúmeros
projetos contrários, que procuraram desbancá-la através dos tempos, graças à
sua incontestável competência. Ocorre que, como é normal, qualquer empresa de
mídia, ou não, cuida de seus interesses. E quando é o governo, como acontece no
país, o seu maior cliente, sempre irá
preservar os interesses dele. É claro até que a situação afete a
sobrevivência da empresa. Foi o que aconteceu: pressionada pelos fatos, pelo
clamor das ruas, a Globo cedeu aos ditames da audiência, mas, à contragosto. E,
quando passou a cobrir os fatos, deu o show de competência que sempre dá,
porém, teve que esconder sua marca pela insatisfação que gerou e por
manifestações pouco felizes de alguns de seus contratados.
Acontece que a TV Globo aparece mais
como fonte de manipulação da mídia por ser a líder de audiência da televisão, o
meio que mais pesa na opinião pública. Mas, a grande realidade é que as outras
emissoras não se comportam de modo diferente, com evidentes gradações e maior
atrelamento ao governo, ou não. Ao contrário do que desejam os governantes a
questão não é de concentração da mídia, nem que haja uma oposição consistente
da grande mídia. A questão real é de que as formas de sobrevivência da mídia
estão reduzidas ao governo e alguns poucos e grande anunciantes que, em geral,
também dependem dele. Como não existe uma oposição real ao governo entre os
partidos, a oposição da mídia é também inexistente. A grande realidade é que a
mídia, fantasiando um país que não existe, contribuiu para a explosão de
descontentamento que tomou as ruas. Mais por colaborar com o governo e difundir
sua ideologia do que, efetivamente, por ser contra ele. Agora, o que os
governantes gostariam é que nada do que fazem de malfeito seja publicado. Isto
somente existe quando não há imprensa ou está é controlada numa ditadura. É o
ideal de todo governo ter uma imprensa que só noticie o que interessa. Aí não
se tem imprensa, mas, diário oficial.
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