Total de visualizações de página

sexta-feira, dezembro 28, 2007

REFLEXÃO DE ANO NOVO



Os bons navegadores-dizem os velhos pescadores do meu perdido Ceará-são como os rios que contornam os obstáculos, simplificam a vida. Assim, logo depois de um momento em que, pelo menos em tese, deve ser de renovação da esperança, de renascimento, de lembrar que Jesus, seja santo, filho de Deus ou mito, nasceu numa manjedoura para nos salvar, não é hora de ficar chorando as pitangas ou lamentando os acontecimentos. A vida é bela, principalmente pelo inesperado. Por ser uma gangorra onde os sem memória e os sem escrúpulos sempre pagam pelo que fazem quando pensam que são espertos. Uma nação, é preciso saber, não se faz com discursos, espertezas, mistificação. Isto é o auto-engano. Uma nação se faz com pessoas que respeitam as regras, que compartilham projetos, ideais e criam um grau de confiança mútua nos quais as leis são simples confirmação de uma forma de viver que se vive.
Vivemos tempos sumamente interessantes nos quais parece ser impossível ser alguém socialmente sem se deixar vencer pelas teses vigentes de que o que vale é o poder a todo custo ou o ter a qualquer custo também. Até nas novelas globais os mocinhos, agora, são bandidos sejam da alta, da média ou baixa camada. Nunca antes neste país a falta de educação, de respeito aos valores humanos e ao bom comportamento social estiveram tão em alta enquanto se tecem loas aos “melhores índices econômicos de uma década”. Efetivamente não há nada de muito novo no que acontece. Estamos numa época em que os mais velhos, abusados e maus costumes fazem os novos dias. Numa época em que as palavras perdem o sentido para coonestar a farsa dos bons tempos que a mídia propala, mas que não chegam, de fato, ao povo, que iludidos por migalhas e pelo alargamento do crédito se embalam num consumismo sem base, que, como corolário, deve trazer, no futuro, somente dor e desespero.
A verdade verdadeira é que, por mais que a luta tenha sido grande e o caminho árduo, nós mudamos muito pouco do que herdamos de nossos pais. Pode-se até dizer que “ainda somos os mesmos” apenas vivemos um pouco diferentes e mais rápidos. É a certeza de tal rapidez que me embala nestes dias que são tão antigos e, ao mesmo tempo, tão novos. Já existiram inimigos, verdades e muros tidos como eternos que, como por encanto, sumiram e são, hoje, só lembranças. Este tempo atual, com todas as suas nuances de engano e de metamorfose, também irá passar. E é belo saber que os Judas, por mais punhados de moedas que recebam, não escapam do remorso e da história que, embora escrita pelos vencedores, somente recolhe os que resistem, os que lutam sempre, os indispensáveis. A vida é bela. A vida é renovação. E a renovação como o tempo é irreversível. Os ventos da liberdade e da consciência sempre soprarão para o lado da verdade de forma, companheiros, que espero, luto, sonho com o amanhã melhor. Se há uma coisa que é imprescindível não é ganhar, mas sonhar pela esperança que um dia há de colorir a vida depois dos tempos da escuridão. È imprescindível sonhar. E, mais ainda, sonhar o sonho impossível de um amanhã de paz, de liberdade e de democracia.

sábado, dezembro 15, 2007

JORGE MAUTNER E NÉLSON JACOBINA



Jorge Mautner, o nosso guia

Graças ao projeto Sempre um Papo, e ao seu coordenador local meu amigo Fred Perillo, tive um dos maiores prazeres dos últimos tempos que foi o de conviver por algum tempo, em Porto Velho, com Jorge Mautner e seu parceiro o excepcional maestro Nelsón Jacobina que, a meu ver, são a materialização de Dom Quixote e Sancho Pancho modernizados e revistos, ou seja, despidos de quaisquer conotações menos lisonjeiras. Ambos são grandes artistas, mágicos que consideram normal fazer magia.
Mautner, o único mestre que conheço que se embriaga bebendo água, traduz de uma forma otimista e criadora o ser humano que soube viver a história e se transformar sem perder a esperança, a busca da síntese criadora e a paixão arrebatadora pelo viver que caracterizam sua música e suas palavras. È, e dito com a autoridade de quem pode dizê-lo, Mário Schenberg, “Um dos profetas da Nova Era” e o fato de até já ter se apresentado “como messias (talvez com uma ironia peculiar)”, só demonstra que sua extrema competência, e seriedade, é feita de um fino humor que os deuses somente dão aos iluminados.
Criador do Kaos, uma integração contraditória e trágica do paganismo dionisíaco, do comunismo transfigurado e do cristianismo reformulado, é um filósofo que superou a filosofia porque vê, na sua visão de raio-x, além dos prótons, dos elétrons e dos spins que somente a arte nos salvará, o que o transforma num continuador de Nietzsche. È verdade. Mas, Jorge, que até tem nome de santo, foi muito além do bem e do mal e de todos os super-homens com um racionalismo poético radical que prega uma nova espécie de Eterno Retorno cósmico na medida em que o seu Kaos contém também o Caos e o integra, o dissolve, sacode, explode em minúsculas partículas super e subatômicas que criam os maracatus, mas também, Lavoisier do relativismo, tudo recupera no amálgama, esta síntese da síntese ao qual somente chegarão os inocentes que amam a poesia da vida depois de digeridas e recompostas todas as antropofagias.
Infelizmente, apesar de ser o nosso guia, de traduzir como ninguém Jesus, com a mesma simplicidade e talento com que canta valsas de Bertold Brecht e Kurt Weill, até agora não fez como Raul Seixas que criou uma igreja. Não seria, certamente, racional, porém, mesmo o discurso doce de Edir Macedo não soaria tão bonito quanto as parábolas nem as músicas com que Mautner prevê que iremos “brasilificar o mundo”, mas, antes, teremos que “amazonificar o Brasil”, o que me lembrou o ministro dos planejamentos imprevisíveis, Mangabeira Unger, ao afirmar que “O Brasil somente se revelará ao Brasil por meio da Amazônia”. Em suma, o nosso guia prevê que o mundo será purificado pelo excesso de vida que sempre o nosso país exalou, mas, nele, não há nada tão vivo, tão pujante, tão trescalando exuberância, vida e frescor quanto a Amazônia e o Amazonas e, certamente, serão suas águas já não tão puras, que serão utilizadas no batismo e na purificação do novo mundo que há de surgir quando o Brasil, país do carnaval e da poesia, dominar a nova era pós-capitalista por meio da alegria e da dança. Como meu guia sempre está certo estamos iniciando a época da grande transição, mas, admitindo que erre pela primeira vez, não importa. É uma previsão tão boa que, se der errado, vamos ao acaso procurar estrelas para brincar. E, igual ao mestre, não peço desculpas nem peço perdão mesmo todo errado.