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sábado, agosto 30, 2014

A falta que Marx nos faz


Qualquer um que tenha o mínimo de conhecimento sobre política e história, e seja um estudioso, é claro, conhece a clássica referência sobre a repetição na história que é o texto de Karl Marx sobre o 18 Brumário de Luís Bonaparte. Sua publicação data de 1852 e gira sobre um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio, o general e estadista Napoleão Bonaparte, como imperador da França. Essa repetição de Napoleões no poder inspirou Marx a formular a célebre frase com que abre seu texto, citando outro importante filósofo alemão: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Só esta frase já tornaria o texto clássico, mas, como em muitos outros textos se sobressai à força da análise de Marx, que o tornou o maior teórico do comunismo, porém, há também um grande componente de sua fina ironia que aparece até no título. Trata-se de que antes de vir à ser imperador, o primeiro Napoleão também havia dado um golpe de Estado, em 9 de novembro de 1799, tornando-se cônsul da França e que, no calendário que o país adotou depois da revolução de 1789, esta data correspondia ao dia 18 do mês de Brumário, ou seja, ao denominar a obra de “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, Marx carimba o golpe de Napoleão III como uma cópia da que havia sido dada antes por seu célebre tio.
O curioso é que nem a forma de ver as “coincidências” históricas, nem mesmo a frase que tornou o texto famoso, e assumiu o protagonismo para os divulgadores, foi a ideia principal de Marx. O que desejava destacar no texto, contando a história e analisando os fatos, era a sua conclusão, também perspicaz, de que  “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Ou seja, mesmo sendo os atores da história, as pessoas são limitadas a agir dentro dos parâmetros que a realidade impõe. Nada tão claro, simples, transparente que uma criança não possa entender, mas, explicar isto na história é fazer ciência.
Não tenho tanta pretensão até porque não sei se é possível fazer ciência no Brasil. Mas, houvesse um talento como o de Marx, certamente, nadaria de braçada em nosso país. Basta ver que Lula, o nosso Napoleão mulato, utilizando-se de todos os métodos políticos imagináveis passou décadas construindo um projeto de poder que deu certo, a partir do fato de que, ao derrubarem Collor, assumiu um vice, Itamar Franco, que lhe propiciou as condições, com a ajuda de FHC, que sem aptidão para o poder deixou o barco à deriva, para que o metalúrgico pudesse realizar seus sonhos de 20 anos de poder. E não se pode dizer que ele não soube aproveitar a oportunidade tanto que até hoje culpa o passado, depois de 12 anos no poder, por todas as mazelas do que não fez, e muitas novas que acrescentou, ao fardo do país. A ironia é que, num país surrealista como o Brasil, os limites entre o real e a fantasia são muito tênues. E assim como Lula criou sua fantasia de “inventor dos novos tempos”, agora, numa farsa trágico-burlesca, é um vice, a da candidatura de Eduardo Campos, que aparece encarnando o papel de “Joana D’arc da pureza política de Xapuri”, a beata Marina Silva. Dupla ironia: é Silva também, logo não se pode dizer que não é povão, e, mais fantástico ainda, sobe nas pesquisas de intenção de voto numa repetição: assim como se fez em cima do cadáver de Chico Mendes, um do Norte, salta para o palco espetacularmente num cadáver de um nordestino! Dos grotões, justamente de onde Lula extrai o poder, surge o seu fim à vista. Nada tão marxista como a contradição de que é do seio do seu próprio partido que vão arrancar o poder de suas mãos. É a continuidade do PT no poder, todavia, sem o mando de Lula, que maneja os cordéis com rédea curta. Que falta faz uma análise de Marx numa hora destas!  


segunda-feira, agosto 18, 2014

Uma pesquisa sob medida para o governo


Todos sabiam que a entrada de Marina Silva iria mudar o jogo. Os números, porém, da primeira pesquisa do Datafolha são estarrecedores não tanto por colocar a nova pretendente no jogo (o que já era esperado), mas, por configurar uma situação de favoritismo que não se coaduna com as tendências que pareciam estar estabelecidas. Há na pesquisa algumas coisas que não parecem bem colocadas (para não dizer que estão bem arrumadas). É uma pesquisa que, por tudo que mostra, e na hora que mostra, somente favorece a candidata oficial, apesar de, aparentemente, ser boa para a nova concorrente. Em primeiro lugar, ao colocar Marina num empate técnico (e na frente de Aécio) estabelece logo de início a condição de que será um dos dois que estará fora do jogo, ou seja, na prática, coloca Dilma como estabelecida no segundo turno e joga os dois para trocarem chumbo na arena eleitoral. E mais: quando o governo somente enfrenta problemas, e a presidente nem sai às ruas sem ser vaiada, apresenta uma melhoria, pequena, porém, importante, no momento, ou seja, quase só falta dizer que o governo conseguiu um fato inédito que é o de melhorar com as condições objetivas piorando.

Claro que o fato de Marina aparecer com 21% é perfeitamente plausível. Até se esperava que tivesse um pouco menos, no entanto, a possibilidade era visível na medida em que é muito mais conhecida que Campos. O que é difícil de engolir na pesquisa é que seu crescimento tenha se dado sem que perca parte do eleitorado de Campos e que somente retire votos de outros candidatos que não os de Dilma (favorita para ser fatiada por estar na mesma raia de Marina) ou mesmo de Aécio. É um pouco estranho que Marina consiga conservar todo o legado de Campos e suba apenas em cima dos votos dos indecisos e dos brancos e dos candidatos nanicos, como parece ser o caso da pesquisa. Bem, não vou colocar em dúvidas o Datafolha. Afinal pesquisas também podem errar por causa das amostras, ou até mesmo de manifestações extemporâneas de pessoas submetidas à massificação da mídia. O estranho, como estranhei na eleição de Lula que, apesar de ter ido para o segundo turno quando pensava em vencer no primeiro, subiu dez pontos sobre Alckmin, é o fato de que os números parecem não bater com as tendências que se observam de deterioração do governo, de desejo de mudança ( que se tenta vender que não é tanto) e da rejeição imensa que se observa de Dilma. É claro que a pesquisa é pesquisa. No máximo um retrato de determinado momento que pode ser mal fotografado e não é decisiva. Todavia, num momento como este o retrato que o Datafolha mostra, embora fingindo ser bom para o PSB, somente serve para consolidar a candidatura de Marina (atingindo Aécio) e para influenciar os eleitores a favor do governo. Além do mais incute na nova concorrente uma lufada de vento que levanta o balão numa hora extremamente perigosa. Afinal Marina, em que pese sua densidade eleitoral, enfrenta sérios problemas em relação ao empresariado (inclusive de financiamento de campanha) e ao agronegócio por suas posições xiitas em relação ao meio ambiente, bem como se é bem vista pelos jovens esbarra numa desconfiança acentuada dos mais cultos e mais velhos, ou seja, se ficar embriagada com os confetes iniciais pode dar com os burros n’àgua muito mais cedo do que pensa. Para ser, de fato, uma candidata com chances terá que passar por muitas provas. Já a pesquisa feita, como foi feita, sob o calor da emoção da morte de Campos, parece mais uma missa encomendada, mas, como ninguém aponta a encomenda, nem tem como refutar seus dados é, hoje, mais uma peça do jogo eleitoral. Resta saber se resistirá no campo real da disputa verdadeira: a cabeça do eleitor.