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quarta-feira, abril 24, 2024

UM LIVRO DEMASIADO HUMANO

 


Recebi, por intermédio do influenciador cultural Vasco Câmara, o livro de João Luís Gonçalves “Cidadãos com Deficiência-Visão Histórica”, da Edições Vieira da Silva, de Lisboa, editado o ano passado, inclusive com dedicatória do autor. É preciso esclarecer que João Luís Gonçalves já é um autor conhecido por mim, mas seus livros anteriores versavam mais histórias, lendas, revoltas, sobre direito e até sobre o imposto, mas não sobre deficientes, que se trata de um tema muito importante e também, por outro lado, muito esquecido por se centrar numa faixa de pessoas minoritárias e, em geral, até mesmo mais discriminadas do que deficientes. Afinal, de uma forma ou de outra, todos nós somos deficientes. No livro João Luis, que já exerceu a função de Procurador da República em vários tribunais portugueses e, nos últimos anos, exerceu funções no Tribunal Administrativo de Funchal e de Loulé, bem como no Tribunal da Família e de Menores de Faro e, atualmente, como Procurador Geral-Adjunto do Tribunal Administrativo do Sul (Lisboa) nos brinda com muito mais do que uma visão apenas histórica da questão da deficiência. De fato, apenas sei que é sócio da Associação Portuguesa dos Deficientes, seu livro é um trabalho muito importante não apenas por buscar as raízes da questão da deficiência, e da forma como nos tempos mais remotos está já era motivo de discriminação na medida em que, mesmo nos povos mais antigos, se exigia que as pessoas fossem saudáveis e fortes para se defender, caçar e recolher alimentos. Também lembra que os cidadãos com deficiência, sem possuírem nenhum direito, eram eliminados por se constituir um encargo para seus familiares e comunidades. Até mesmo do livro Levítico relembra que Deus disse a Moisés que o homem cego, coxo ou com outras deformações não poderia ser sacerdote, o que mostra o arraigamento do preconceito inscrito até mesmo na religião. O que é muito importante, além da perspectiva história, é que João Luís Gonçalves mostra seu notável conhecimento sobre o tema ao fazer uma digressão sobre o tema que passa pelos seus aspectos religiosos, filosóficos, sobre a evolução dos direitos, o papel da igreja, pelo pensamento de muitos filósofos, sobre a tentativa de eugenia nazista, esterilização, estatísticas e até sobre a pandemia de Covid 19, sem perder a noção de ressaltar que a deficiência, efetivamente, nada tem a haver com o corpo, mas sim com a forma como a sociedade trata as pessoas. Também elenca uma série de entidades que apoiam os cidadãos com deficiência, o que, logicamente, está mais afeto à Portugal. Em muitos momentos fica evidente que a evolução do direito nem sempre é acompanhada pela realidade. O que, sem dúvida, também acontece no Brasil, porém um livro como este nos faz refletir sobre o quanto ainda estamos distantes de uma sociedade realmente digna, que olhe para os outros com a dignidade que deve ter. Só posso agradecer ao ilustre autor por me dar a oportunidade de aurir seus conhecimentos e, principalmente por tratar de um tema que honra seu autor. Afinal não precisamos perguntar por quem os sinos dobram.

quarta-feira, março 13, 2024

OS ORIXÁS EM CORDEL DE BULE-BULE

 

Quando conheci Antônio Ribeiro da Conceição, o grande mestre baiano Bule-Bule, ainda estávamos no século passado e ele fazia dupla com um outro nome, também famoso, Antônio Queiroz, que fizeram em conjunto o disco “A Fome e a Vontade de Comer”. Em Rondônia, fiz contato com eles em Porto Velho, trazidos por Luiz Malheiros Tourinho. E tive o prazer de vê-los cantando juntos, fazendo repentes e até compuseram uma música sobre o candiru, este peixinho capaz das maiores proezas em busca de um buraco. Este ano, depois de longo tempo, graças a existência do celular, Bule-Bule me liga e renovamos a saudade dos tempos em que, a meu pedido, cantou uma de suas mais românticas canções. Se reatar a amizade com esta lenda baiana já foi uma benção de Deus, então para melhorar muito mais o ano, ele me enviou suas produções. A maior parte delas são literatura de cordel, caminho pelo qual enveredou- e como tudo que faz-com enorme sucesso. Seus livros “Um Punhado de Cultura Popular”, “Rodolfo Coelho Cavalcante, Castro Alves e Outros Temas” são bons exemplos de sua lavra. Porém, sua produção é vasta e compreende muitos temas como “O violento Combate de Samuel Badulaque e José Cafussu contra o Tirano Memeu de Cazu” ou “A bem-Aventurada Santa Dulce dos Pobres: Irmã Dulce da Bahia” ou “Quatro Almas e Um Destino”.  Não há como citar todas, mas por aí se tem uma ideia de sua obra. O grande presente que me foi ofertado, entre outros, é a obra “Orixás em Cordel-Edição Ampliada”, uma edição primorosa da Tupynanquim Editora, com gravuras de Klévisson Viana. Trata-se, como afirma Marco Haurélio, um professor poeta pesquisador de cordel, da “mitologia dos orixás vertida em uma grande e coesa antologia para o cordel”. A literatura de cordel é uma arte muito popular no Nordeste e, sem dúvida, ainda há de ser muito mais valorizada do que é, porém o grande mérito do filho do sambador “Manoel Jararaca” é unir as lendas e os mitos, com muita graça e talento, em poemas de cordel que resgatam as raízes da vida dos terreiros. Um exemplo são os versos:

“Primeiro nasceu Xangô,

Oiá, Ogum, Ossaim,

Obaluaê depois,

Os Ibejis pra dar fim

À solidão de Iemanjá

Olodumaré quis assim.”

Ou neste outro:

“Mas, com a benção de Oxalá,

Exu teve amparo e fama,

Fortuna, prestígio e glória,

Bom projeto, ótimo programa,

É comandante de estrada,

Manda na encruzilhada

E um grande público o ama”.

Sem dúvida também um grande público deve amar as obras de Bule-Bule. Ler sua obra sobre os orixás me levou a recordar de Baden Powell com seus afro-sambas. A correlação tem sentido: para a literatura de cordel este livro sobre os orixás cria, como os afrosambas, uma vertente especial. Ave! Bule-Bule! Que os orixás te deem mais ainda inspiração para novos voos tão belos!

A INADIÁVEL NECESSIDADE DE INCENTIVAR A INDÚSTRIA NAVAL E A MARINHA MERCANTE

 


O Brasil é um país muito rico e, mais que rico, generoso, muito generoso com os outros países. Não falo apenas pelos investimentos do BNDES na Venezuela ou em Cuba, mas também com sua generosa relação com a China, em especial, e também com a Coréia do Sul, onde a Petrobras desenvolve projetos que beneficiam aqueles países. Um exemplo recente vem de Yantai, na China, onde foi construído o FPSO (Floating Production, Storage and Offloading, plataformas de processamento e produção de petróleo e gás) Marechal Duque de Caxias. O nome é de um herói nacional e a plataforma foi encomendada pela Petrobras para ser usada no pré-sal na Bacia de Santos. É preciso ver que de cada FPSO construída no exterior significa a perda de cerca de 6 mil empregos diretos e indiretos internos. E para um governo que diz apoiar a indústria naval brasileira pode-se ver a contradição, quando neste tipo de indústria especializada, um salário médio é de R$ 5 mil/mês, ou R$ 65 mil/ano. Isto significa a perda de R$ 390 milhões por ano apenas em salários. Encargos e benefícios representam uma perda adicional de R$ 425 milhões anuais. No total R$ 815 milhões por ano, fora gastos com seguro-desemprego, auxílio-doença etc. Em 3 anos, o prazo da construção, pode-se estimar que foram perdidos quase R$ 3 bilhões. E isto, de uma FPSO somente. Sem contar que não são apenas as perdas de postos de trabalho. Há outros, tão grandes quanto, como materiais e serviços não comprados no Brasil. E ainda os que são difíceis mensurar, como perda tecnológica. E, pasmem, que a plataforma Duque de Caxias utilizará uma tecnologia de separação em alta pressão (HISEP) desenvolvida e patenteada pela Petrobras. Na divulgação do FPSO, o grupo malaio MISC fala da tecnologia sem mencionar que esta foi desenvolvida pela estatal brasileira. Para um governo tão estatista, que defende tanto a nacionalização de empresas, o fato se reveste ainda de uma questão mais grave que é a de não se puder alegar a questão da competitividade ou rapidez na construção local. Inclusive, hoje em dia, países da Europa e da Ásia também não conseguem competir com a China, porém criaram mecanismos que garantem que a construção de determinados tipos de embarcações seja feita localmente, mesmo a um custo mais alto, garantindo para sua indústria encomendas, emprego e renda para a população. Até mesmo os  EUA pode ser apontado como um exemplo, pois qualquer navio, para operar nos portos e na costa norte-americana, deve ser construído nos EUA e ter bandeira americana, devido ao Jones Act, um mecanismo de proteção centenário. Isto tem uma razão lógica: a indústria naval e offshore é considerada de importância estratégica e é apoiada e incentivada pelos governos, inclusive por sua importância econômica. E o Brasil, na contramão da história, prossegue sem ter uma indústria naval e uma marinha mercante desenvolvida. É preciso estimular, por meio de políticas de Estado, a construção naval e a marinha mercante, de vez que as políticas nacionais precisam estimular tanto a indústria naval quanto  a navegação de longo curso e incentivo ao crescimento da bandeira própria, na cabotagem e na navegação interior, para não dependermos apenas das megatransportadoras globais que dominam o transporte marítimo internacional.

 

sexta-feira, janeiro 19, 2024

ENSINO À DISTÂNCIA É FUNDAMENTAL PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA

 


O ensino brasileiro, todos sabem, passa a muito tempo por uma crise. Embora o número de vagas nos cursos públicos tenha aumentado isto, sem dúvida, se fez em detrimento da qualidade. E, nós, professores, constatamos que, a cada ano, recebemos turmas com uma menor quantidade de alunos e com problemas de entendimento que, por mais que se queira negar, provém do fato de que foram afrouxados os sistemas de avaliação e de entrada no ensino superior. A crise, no entanto, ultrapassa isto e se desenvolve em cima de que enquanto as universidades ficam, cada vez mais, burocráticas, o mundo se torna mais flexível, fragmentado, digital e especializado. Mais: na medida em que o diploma não é mais garantia de melhoria econômica e de emprego o ensino superior perde atrativo. Inclusive, a evasão é enorme porque os alunos de hoje, práticos e com as dificuldades econômicas, fazem cálculos: gastam somente, por exemplo, para ir a Universidade de Rondônia, 13 quilômetros na BR, no mínimo, se de ônibus, R$ 225, 00 por mês, sem contar que lá terão que gastar com alimentos, o que é muito mais caro do que a mensalidade de uma formação por EaD.  Esta é uma das razões-quase todas as federais são distantes-pela qual, principalmente a partir da pandemia de Covid-19, o ensino à distância aumentou enormemente e se tornou maior do que o presencial. E com a grande vantagem de que é o ensino que se adapta ao aluno e não o contrário. As nossas universidades estão paradas no tempo, sem aparato tecnológico e deveriam mudar, inclusive a oferta de formações e disciplinas. Não há clima para isto por conformismo e conforto. É preciso lembrar que, entre os direitos da Constituição de 1988, ficou estabelecido que a educação, como um direito social, deve assegurar a liberdade de iniciativa privada, desde que sejam respeitadas as normas gerais e a qualidade do ensino público. Isto implica em que a educação, um direito fundamental, deve ser acessível para todos e de qualidade, independentemente de ser público ou privado, presencial ou à distância. Os cursos de EaD possuem práticas presenciais, muitos deles mais do que exigido legalmente, e qualidade. Além de que, para muitas localidades, são a única forma de acesso a uma educação melhor.  A questão não é de ser presencial, ou não, mas de ter qualidade e é ao MEC que cabe regular e avaliar a qualidade. E há muitos cursos de EaD cuja qualidade é muito melhor do que muitos cursos presenciais. A questão é que seja qual for a modalidade precisamos é de ensino de qualidade para todos e o aluno, ou profissional, deve ter a liberdade de escolher a modalidade que quiser. É preciso sim que o ensino mude, se adapte a uma nova realidade e se torne flexível. Não há espaço mais para o ensino ter uma ótica só e ficar indiferente ao que acontece na sociedade. Não precisamos de mais regras e sim de criar formas do ensino ter a qualidade que deve ter e o ensino à distância é um meio indispensável para a melhoria do ensino brasileiro.