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terça-feira, julho 26, 2016

O DESAPEGO COMO UMA ARMA DA ARTE DE VIVER


Uma dúvida que sempre me assalta é a de que se, de fato, há evolução humana. A verdade é que gosto de viver e a vida, hoje em dia, neste século XXI, embora seja, sem dúvida, muito mais confortável, me parece também mais enganosa, mais difícil de se compreender e o Brasil, também os brasileiros que vivem aqui, e lá fora, me parecem cada vez mais selvagens e incompreensíveis. No geral, sinto, a contragosto, uma imbecilização em massa. Vide o recente episódio da Marcela Tavares em Nova York. Bem é possível que exista um stand-up que preste, mas, convenhamos, abrir um show de uma banda com um, já me parece uma insanidade. Outra, e nem preciso que todo mundo concorde, é mulher dizendo palavrão, mesmo o infantil de santificar os palcos. O problema maior é que, seja qual for a visão que se tenha da humorista, ela falou a pura verdade: o Brasil está mesmo insuportável. Aliás, não é o Brasil só. È o mundo. Ou será que todos pensam que o Donald Trump conseguiu garantir o número mínimo de delegados para ser candidato por estarmos perto de novos tempos?
Por todas essas coisas é que tenho tentado me desapegar de tudo. Tudo mesmo. Livros, papéis, escritos e poesias velhas. Móveis e utensílios nem falo mais. Conclui, depois de muito tempo de apego, que o desapego é, definitivamente, uma grande qualidade. É sempre mais fácil o desapego às coisas, mas, também, às vezes, é preciso, indispensável, o desapego com as pessoas. Isto sempre foi muito difícil. Diria que, mesmo impossível, para mim, mas, ultimamente, tenho pensado que é melhor, mais saudável, mais salutar ter menos pessoas, com mais tempo, com mais carinho, com mais amor e dedicação. E se preciso de uma prova escuto o bandolim do Lito Casara, o violão do Nicodemos, a voz do Caté e me regalo com o papo descontraído, líquido e prazeroso dos amigos, como o Marcus Vinicius, o Demétrio, o Gêgê, os Macaxeiras e alguns novos e instigantes, além de belos interiormente, como a Tamires e a Taina. Ter o prazer de conviver com pessoas novas e inteligentes é uma coisa que me faz crer no mundo e solidificar minha crença de que Marlon Brando não morreu. Quem amanteiga uma mulher como Maria Schneider sobrevive até mesmo ao último tango.
Talvez isto também provenha do fato de que alguns amigos, bons amigos, fizeram, creio que também sem meios de se contrapor, o dissabor de ir embora mais cedo. E a falta deles dói. Dói muito. Me consola o fato de que alguns me obedeçam e sigam a regra essencial que imponho aos amigos agora: a de não irem embora sem aviso prévio. Ainda assim a morte não respeita minhas regras e vai levando quem pode. Por tudo isto, como se sai desta vida como se entra, sem nada, liso e nu, estou exercitando a arte de rir até mesmo para saber deixar as coisas e as pessoas irem, quando não podem, não querem ou não podem mais ficar. Sempre dói, mas, é melhor se acostumar. Um dia como nos desapegamos deles, então, os que sobrarem se desapegarão de nós. A arte do desapego faz parte da arte de viver. Bem, vocês podem não compreender muito bem  a razão de ter escrito isto, porém, é parte de um processo que também não entendo, ou seja, está perfeitamente coerente com os nossos tempos.


Ilustração: www.viva50.com.br

segunda-feira, julho 04, 2016

No te vayas Lio


Devo dizer que não sou um dos maiores fãs de Messi. Não nego que seja um jogador excepcional, mas, de certa forma, ele é o Zico argentino. Explico: ele e Zico tem, em comum, o fato de serem sempre regulares e, em momentos decisivos, serem até mesmo excepcionais, porém, sempre jogam de forma quase burocrática. E sei que vou desagradar muito os rubro-negros, mas, na verdade, como Messi, Zico foi um jogador que se fez pelo esforço, pela disciplina e não seria quem foi, ambos, aliás, se não jogassem na equipe em que jogaram. A grande diferença, talvez seja, que Messi veio da escolinha do Barcelona e nela se moldou, enquanto Zico precisou sair do Flamengo para se transformar num atleta no verdadeiro sentido. Messi, é verdade, conseguiu muito mais dinheiro e sucesso. Porém, penso que Zico foi muito mais perfeito em chutar e, para desespero meu, que sempre fui vascaíno, chutava com perfeição de qualquer jeito. Costumo dizer que Zico foi um dos últimos grandes ídolos brasileiros que sabia os fundamentos do futebol. Hoje tão esquecidos, e até mesmo vilipendiados, pela falta de treino, de disciplina, de aplicação. Os jogadores de hoje, muito bem pagos, podem ver pelo que fazem, desaprenderam a arte de chutar, de cabecear e, muitos, de driblar para a frente. De serem mesmo craques. São muito mais celebridades que eficazes no campo.
Voltando, no entanto, ao prato principal. Messi desfruta com Zico o dissabor de, na seleção, não conseguir ser o que é no seu clube e, para piorar, ambos falharam em momentos decisivos. Não consola, mesmo para Messi, um batedor de recordes, ser a estrela principal do mundo e não conseguir ajudar seu país a conquistar títulos. É uma coisa de profissional, sim, reconhecer as dificuldades e chorar por não conseguir fazer o que se esperava dele. É um fato que o honra tanto ter chorado, como considerar, mesmo não sendo verdade, na medida que ainda tem muito o que dar, dizer que não jogava mais por sua seleção por se sentir insatisfeito com sua atuação. Foi uma demonstração de seu alto nível de cobrança pessoal e um comportamento que honra sua carreira e seu país. Messi comprovou ser um verdadeiro argentino com a grandeza de seu gesto. A inconformidade com os limites é digna dos grandes gênios.
Assim, ouso dizer que é um fato político importante que, mesmo com a forte chuva que caiu sobre Buenos Aires, na tarde do último sábado, centenas de pessoas se reuniram no Obelisco, famoso monumento da cidade, para pedir que Messi não deixe a seleção argentina. Os fãs levaram bandeiras e cartazes com a expressão "No te vayas Lio" (Não se vá, Lio), usada desde o último domingo pelo jornal "Olé" para que o craque volte atrás, gritaram e cantaram. Um torcedor chegou a exibir uma bandeira em que o comparava a Deus. Certo que é um exagero, mas, que se pode esperar dos bons e orgulhosos argentinos? O que fizeram é um verdadeiro ato de humildade: reconhecer a grandeza de quem se esforçou para fazer o melhor e pedir que continue a fazer. Foi uma manifestação que foi honrosa para Messi, mas, também para os que a fizeram. De fato, Messi é uma estrela e, nos tempos atuais, qualquer seleção argentina ou até mesmo qualquer campeonato regional ou mundial, não há dúvida, que perde um muito do seu encanto, do seu brilho, sem ele. De forma que, como bom brasileiro, que gosta de bom futebol, também me associo, mesmo sem pegar a chuva que pegaram, e peço: Não se vá, Lionel. O futebol fica menor sem sua presença.


Foto: Globo esporte.