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sexta-feira, novembro 28, 2008

UM LIVRO DO PRESENTE



O “1808” DE LAURENTINO GOMES

O jornalista Laurentino Gomes, como resultado de dez anos de um trabalho de investigação histórica, conseguiu fazer com o livro “1808” um feito dos mais relevantes que foi o de transformar história em literatura de qualidade ou criar uma literatura histórica. Sob o pretexto de tratar dos 13 anos em que a Família Real Portuguesa residiu no Brasil, desde a sua saída de Portugal em novembro de 1807 até o retorno em julho de 1821, Gomes o que faz, de fato, é recuperar toda a atmosfera da época com maestria e rigor a ponto de mencionar acontecimentos que escapariam ao historiador profissional como a menção ao meteorito de Bendegó, encontrado em 1784 em Monte Santo, sertão da Bahia, exposto no Museu Nacional, no Palácio São Cristóvão no Rio de Janeiro, no qual reinou o único soberano europeu a por os pés em terras brasileiras e ainda aproveitando para acentuar o “esquecimento” de sua passagem por ali, o que não deixa de ser um traço típico da falta de memória nacional.
Memória que, de fato, não é jamais esquecida na medida em que, ao se ler o livro, percebe-se a razão para a forma caricata com que, hoje, se trata de D.João VI e sua corte. È, no frigir dos ovos, uma busca da fuga da origem dos pecados capitais que nós trazemos de berço. Não é à-toa que 1808 é resumido pelo autor “como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta que enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”. Quando, como é feito no livro, se volta ao passado é que nos deparamos com os tempos caricatos de agora vestido com roupas antigas, porém, as fortunas que se fazem da noite para o dia às custa do erário público, o desprezo pelas normas, o gosto por tirar vantagens e o imediatismo como panacéia para a falta de aplicação e de estudos transparecem como uma herança que, inutilmente, se procura apagar seja por esquecer fatos ou minimizar pelo ridículo o que poderia ser um aviso sobre as práticas do presente.
Quem lê com atenção verifica que, malgrado seus defeitos ou erros, D. João com sua vinda consolidou o Brasil como um país integrando suas regiões e modernizando, até onde foi possível, uma região que dormia em berço esplêndido. Sem dúvida entre os grandes méritos de “1808”, além de ser um livro que se lê de um fôlego só de tão gostoso, está o de resgatar a história da corte portuguesa no Brasil e de tornar acessível a muito mais leitores um pedaço da história brasileira que ainda continua precisando de muito mais luz. É um livro primoroso também pela minuciosa consulta a fontes e ao olhar caleidoscópico que o autor faz da época. Não precisa da recomendação de ninguém, mas, se me perguntarem subscrevo que se trata de uma leitura indispensável.

sexta-feira, novembro 21, 2008

O EU COMO ESPETÁCULO



Reflexões a partir de um grande livro

Estive no Sempre um Papo no Sesc Esplanada, no último dia 19, para ouvir Rômulo Avelar sobre gestão cultural o que é sempre um convite à reflexão. Não me prenderei ao evento em si nem ao saber reconhecido do mineiro que, para quem conhece ou teve ensejo de ouvir, qualquer comentário é dispensável. O livro de Avelar, O Avesso da Cena, é uma espécie de bíblia sobre a produção cultural, o que lhe empresta uma beleza e uma magnitude ímpar. Ocorre que se trata de um “livrão” em todos os sentidos. Com uma belíssima capa, 490 páginas pode até ser usado, num grande desvio intelectual, como uma arma. Assim não teve como não surgir o inevitável comentário de um dos presentes que, pela quantidade de pessoas que o adquiriram, muitas das obras se tornariam um belo item de decoração, ou seja, teriam um destino que seria o avesso da obra. Uma coisa leva a outra.
È que vivemos numa época do fácil e do rápido, do fast-food e da literatura de notas. Hoje a grande maioria não lê mais nem os pequenos quanto mais grandes livros. Hoje se criou até mesmo horror às longas ficções que fizeram a glória dos escritores oitocentistas. Não se tem mais tempo ou disposição para ler, porém, contraditoriamente, sempre aparece tempo para acompanhar um caso de seqüestro ou a briga de casal das celebridades midiáticas ou fatos similares que parecem novelas, em que a vida cotidiana surge ficcionalizada e se nutre da curiosidade que a vida alheia sempre desperta. Ibope certo como é o caso dos “reality-shows”.
Chama a atenção o fato que o excesso de espetacularização ande acompanhado pelo desejo de realismo. O marketing que se apresenta como informação verdadeira é cheio de charme e, de certa forma, se ancora na solidão como um ingrediente fundamental da vida moderna. Não por acaso é uma solidão que quer ser espetáculo, que não quer se sentir só e busca as luzes seja das lentes das câmeras ou de uma webcam caseira. A verdade é que é uma solidão que quer testemunhas, que precisa da platéia para se sentir viva, porque, no mundo do espetáculo e da visibilidade, não ser visto é não existir. Esta a razão do desespero que leva muitas pessoas a se mostrar, a querer ser visível a qualquer preço, espetacularizando o próprio eu e tornando sua intimidade o espetáculo. A leitura perdeu o espaço da ficção para a imagem. E a imagem precisa do olhar alheio para se confirmar como existente, ou seja, a subjetividade desaparece; desaparece o estar só na medida em que não há mais a interioridade como forma de construção do mundo e eixo da existência. Hoje só é o que se vê. As diferenças entre a essência e a aparência se perderam no meio do espetáculo. Só há a encenação, o parecer, as imagens que precisam do avesso da cena na vida real. O eu é uma marca que precisa ser cuidada. Não por acaso se fala em cuidar da imagem e cuidar da imagem é aparecer. É preciso aparecer para ser alguém. E um grande livro leva muito tempo para ler. Só se aparece com ele nas cenas de novelas.

quarta-feira, novembro 05, 2008

CRIATIVIDADE PORTOVELHENSE



Turista de shopping

Que Rondônia é um estado em formação, um estado jovem, ninguém duvida. Porém, também já está criando uma tradição, festas, ditos, costumes e falares que são bastante típicos e mostram nossa adaptação e criatividade. É evidente que esta cultura em formação é mais forte em regiões mais tradicionais como Guajará-Mirim, em cidades ribeirinhas menos influenciada pelos migrantes, mas, também em Porto Velho, uma capital marcada pela tradição cosmopolita mesmo com a improvisação urbana e de infra-estrutura que ainda apresenta. Porto Velho ainda é a menina-moça cheia de espinhas que poucos adivinham será modelo internacional.
Especificamente em Porto Velho a mistura de raças, costumes e falares é um traço típico de uma cidade que já começou internacionalizada. Não se pode nem se deve esquecer que, quando se idealizou a cidade para apoiar a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, foi criado um núcleo urbano moderno com água tratada, energia elétrica, saneamento e até jornal em inglês que, na sua época, era mais organizada que o Rio de Janeiro, então capital do país. Não há dúvida que há contribuições, em especial lingüísticas de todos os lados, todavia, por tempo de serviço acabou prevalecendo às colaborações que vieram dos nossos vizinhos nortistas, o Amazonas, o distante, mas influente no passado, Pará e, mesmo através deles, de estados do Nordeste. Há uma herança, que já foi mais evidente, na fala cantada do porto-velhense, no sotaque local, dos nordestinos, especialmente os cearenses. Expressões como o nosso tradicional “quissó”, ou seja, quente “pra danar” (demais) é característico do Ceará, tanto como o conhecido “ramupubanhu (= vamos pro banho) que agrega o “ramu” (vamos, cearense) ao banho (nosso) que, por lá, até por falta de água não é comum. Do mesmo berço provém expressões como “leso” (abestalhado) ou se “lascar”, que não é se partir em pedaços e sim perder o rumo, a direção, ficar perdido para não cair no palavrão.
Há muito mais, contudo, não me guia fazer uma incursão pelo falar portovelhense e sim louvar sua criatividade e adaptação que é famosa pelo “saquinho”, a tecnologia que foi usada para não precisar usar os cascos de refrigerantes. É uma prova de que somos mais antropofágicos do que os modernistas poderiam imaginar, mais criativos ou iguais aos japoneses brasileiros. Agora, por exemplo, damos mais uma prova disto com a inauguração do Porto Velho Shopping. Não é que aproveitando a oportunidade alguns empreendedores criaram, a partir da periferia, as excursões para o shopping! Pois é. São uma realidade os ônibus fretados especialmente para levar pessoas para conhecer e fazer compras nos shoppings e, em alguns, até guia e orientação já existe. Em que outro local do mundo seria possível criar turista de shopping? Só mesmo em Porto Velho.

terça-feira, novembro 04, 2008

O REAL VAZIO DA AMAZÔNIA


A Amazônia sem projeto
Ninguém que pensa sobre a Amazônia pode deixar de reconhecer que há uma lacuna entre o fervor religioso do ambientalismo e de suas teorias de desenvolvimento sustentável e a realidade do primitivismo da forma como a Amazônia continua a ser ocupada. Inclusive também é muito pobre a perspectiva que oferecem para os amazônidas de aceitar que as terras em que vivem virem parques para benefício da humanidade sem contrapartida para seus desejos de desenvolvimento ou, como tentou, e ainda tentam implantar, algumas ONGs uma área dividida em grandes reservas também sem atividades econômicas para usufruto delas e de algumas tribos indígenas numa reprodução ampliada da falta de bom senso de Roraima na qual o Estado se tornou menor do que a reserva indígena.
Não é, certamente, este o caminho que os amazônidas desejam. Em especial os amazônidas de Rondônia, do Mato Grosso, do Pará e de Tocantins, para só citar os mais visados, que desejam a preservação sim, porém, com direito ao desenvolvimento. E isto é possível. Não o é, todavia, com a completa falta de respeito que se tem tido em relação aos nossos pensamentos e as nossas vidas. A grande realidade é que em gabinetes e em mesas de bares todos dão palpites ou até criam movimentos para “salvar a Amazônia” como se, entre nós, não houvesse pessoas normais, capazes, em muitos sentidos muito mais capazes dos que desejam solucionar nossos problemas, e a aqui houvesse um imenso vazio de cultura. Não é assim. Em Rondônia, já na década de oitenta, por exemplo, um grupo de técnicos locais gerou o que seria uma solução: um zoneamento econômico ecológico. Aliás, desrespeitado, rasgado, renegado e desprezado ainda resta resquícios de uma experiência que, hoje, já tem por volta de vinte anos e que, para inglês ver, os órgãos federais dizem que é uma forma de solução. E é, mas, é preciso que existam efetivamente os zoneamentos que não sejam as peças de ficção que servem meramente para o discurso que encobre apenas a criação de restrições para as atividades produtivas na Amazônia.
A Amazônia continua a ser a grande esquecida da realidade brasileira. O discurso e a prática que, hoje, continua a existir, piorado, diga-se de passagem, é o de que não se pode desmatar, que é preciso preservar, mas, ninguém explica nem busca produzir formas para as pessoas sobreviverem e melhorar de vida. O resultado é o de que entra mês e saí mês e somente se faz a exaltação ou a reclamação sobre os dados de desmatamento. Tudo vão. O desmatamento, no quadro atual, é inevitável. Sem criar um zoneamento de fato, sem aumentar os recursos para pesquisa, sem fomentar a vinda de pesquisadores, sem criar projetos efetivamente viáveis, sem ouvir e escutar as vozes da Amazônia, sem criar formas das pessoas terem emprego e renda, o lenga-lenga da preservação só servirá para que as Marinas e os Mincs apareçam na mídia como salvadores da pátria, de uma pátria que nunca será salva. É preciso, urgentemente, um projeto real para a Amazônia. E acabar com discursos vazios e sem sentido.