Total de visualizações de página

sábado, agosto 17, 2013

Todo julgamento é um ato intelectual


Longe de mim ser bíblico, mas, reconheço na bíblia uma fonte de grandes lições. Em especial gosto muito de “"Não julguem, para que vocês não sejam julgados” (Mateus 7:1) e de “Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no seu?”( Mateus 7:4). Estes trechos me parecem muito oportunos numa época em que, vejo, especialmente no Facebook e na internet, a despreocupação com que as pessoas julgam os outros, mesmo aqueles que não conhecem, o que, aliás, se estende para a vida cotidiana. Há, por conta até mesmo do rebaixamento da cultura e dos costumes, uma falta de senso em dizer e escrever certas coisas que, no passado, fariam corar um frade de pedra.
Dizem que sou muito crítico. Devo ser, embora pense que não, mas, somos péssimos julgadores de nós mesmos. Agora, concordando que seja, critico ideias, comportamentos, atos. Não tenho, como vejo aos montes, a coragem de dizer que certas pessoas são isto ou aquilo ou que merecem o castigo que, algumas vezes, é puro infortúnio, pois, afinal, visto de perto, qualquer um não é apenas fora do normal, como também terá seus pecados, secretos ou não. Porém, as pessoas costumam julgar os outros e se excluir como se fossem inocentes. A meu ver, ninguém é inocente. No máximo, pode ser menos culpado. Há os que se aferram à lei: você fez isto e aquilo que a lei diz que não pode. É fácil usar as leis contra os outros. O problema, em geral, é que quem mais utiliza este tipo de expediente se encontra na posição de poder usar a lei e, não raro, não vê que também escapa de suas linhas.

A armadilha de pensar assim é que, queira ou não, qualquer manifestação de linguagem é um ato intelectual. E, ao criticar o julgamento alheio, se analisa atitudes intelectuais e, quem analisa intelectuais acaba falando de si mesmo, acaba falando de sua própria confraria como se a ela não pertencesse. Sei que pertenço por escrever, por desempenhar o papel de quem transmite ideias, mas, apesar de errar também, pois, sou humano, procuro fugir das falsas generalizações. Como, por exemplo, de considerar todos os políticos iguais. De fato, quando escrevo, procuro, antes de tudo, ser um verdadeiro intelectual, ou seja, me apegar à análise dos fatos e não, como fazem muitos, tentar persuadir, convencer de que esteja certo. Considero que, ao contrário de Sartre, o intelectual não pode ser engajado. Se ele é engajado deixa de ser intelectual por passar a ser partidário, se distanciar do discurso racional e passar, efetivamente, a fazer propaganda. Bem, muitos podem dizer que não se consegue fugir da ideologia. É verdade. Não há discurso totalmente objetivo, todavia, penso que não se pode condicionar os princípios aos interesses contingentes da conjuntura política. De forma que não preciso nem tenho, por exemplo, de ser PT ou PSDB quando nenhum dos dois realiza melhor os princípios nos quais creio. Neste sentido, posso estar errado, entretanto, luto para que o monopólio da força não se torne também o monopólio da verdade e tendo sempre presente que, numa democracia, para se construir o futuro não se têm inimigos, mas, adversários. 

quarta-feira, agosto 07, 2013

A banalidade do mal


É muito característico da época, e de grande atualidade, o filme “Hannah Arendt”, da escritora e cineasta Margarethe Von Trotta (“Os Anos de Chumbo”), que passeia por um período da vida dela, que vai de 1961 a 1964, bastante turbulento para Hannah, vivida por Barbara Sukowa (“Lola”), em excelente desempenho. É um filme que mostra a filósofa que foi encarar o monstro Eichmann, acusado de matar milhões de judeus, e encontrou um burocrata medíocre (e os burocratas medíocres são os que mais banalizam o mal). E foi em torno deste choque que ela foi capaz de observar e tentar entender o que chamou de banalidade do mal, com uma coragem e uma honestidade intelectual incríveis, que, como sempre acontece com quem têm, lhe causou um enorme mal-estar, muitas incompreensões, hostilidades e perseguição no seu trabalho e à sua figura. A busca de Hannah Arendt foi sempre a de querer entender e, de forma original, compreendeu que o mal pode se originar não da monstruosidade de uma opção política ou ideológica, mas, simplesmente da obediência cega, da inabilidade para pensar autonomamente e até mesmo da falta de motivo, do simples fato de que pessoas que não pensam, muitas vezes, somente sabem ter inveja, buscar tirar o brilho de quem tem brilho. É o que se vê, muitas vezes, em burocratas, ainda mais quando crentes em alguma ideologia ou no próprio papel que desempenham. Julgam, condenam, difamam, falam sobre coisas que não entendem, repetem bordões ou palavras de ordem sem pensar e atingem as pessoas sem compreender que, neste mundo de Deus, tudo tem volta, há uma lei inexorável que é a do retorno. Mas, essas pessoas, incapazes de pensar, são cheias de certezas e preconceitos. E, por mais que o filme fale do passado, o mal e sua banalidade estão a toda hora à nossa volta, todos os dias.
O filme “Hannah Arendt” é, portanto, muito atual, atualíssimo. É uma narrativa simples, clássica, esclarecedora que não somente revela uma trajetória, um pensamento portentoso de uma figura humana admirável, como também demonstra que não é fácil se ter honestidade intelectual. Porém, o que mais me agrada é o comportamento da personalidade de Arendt que mostra um traço que admiro muito nas pessoas, e que sempre procurei cultivar, que é o de respeitar e procurar entender o outro, até mesmo quando se trata de adversários, de vez que jamais tive inimigos, embora, os que vivem no mal e sua banalidade, escolham seus inimigos de uma forma preconceituosa e aleatória e, não poucas vezes, justo a quem deveriam agradecer. Hannah Arendt era um ser assim e quem é capaz de buscar entender os outros, de gostar mesmo contra os evidentes defeitos, por compreender que as falhas são próprias da humanidade, certamente, se torna um ser humano melhor.
O filme tem o mérito de resgatar um tema polêmico e que nos desafia modernamente. E, entre outras coisas, tem o dom de desmistificar o pensamento comum de que exista uma entidade “o mal”, oposta a outra, “o bem”, num claro reducionismo, pois, seria muito confortável se o mal fosse um alvo externo, localizável, eliminável, mas, para desespero dos simplistas, dos que pensam em preto e branco, o bem e o mal estão dentro de nós mesmos, fazem parte de nosso miséria humana, de nosso DNA. Mesmo as melhores pessoas podem ser as piores, dependendo das condições e do momento. A banalidade do mal está em que, de fato, este tem suas raízes no próprio ser humano e enfrentá-lo não é tarefa fácil tendo em vista que as fronteiras entre o bem e o mal são tênues, quase que imperceptíveis, em especial, num mundo onde, muitas vezes, a verdade é a mentira propagada por muitos. O mal, de fato, nunca antes foi tão banal.