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terça-feira, setembro 26, 2017

O MORCEGO NÃO DIZ TUDO


Quem teve acesso à leitura de “A Interface de Um Morcego- E Outros Contos que a Vida Me Contou”, de Samuel Castiel, editado pela Chiado Editora, na Coleção Palavras Soltas, deve, se conhece um pouco de Porto Velho, da Amazônia, ter tido momentos de muito mais prazer, embora este seja indissociável do mundo criado pelo autor. Foi o que aconteceu comigo, um amazônico adotivo, que, por sorte, ainda vivi um pouco da antiga e acolhedora província, que um dia já foi a capital de nosso Estado. Samuel, que também tenho o prazer de curtir musicalmente, faz na literatura o que mostra na música: é eclético, diversificado e, com muita razão, de certa forma, nostálgico.
Seus contos, narrados de forma simples e direta, são, quase todos, ancorados em memórias ou histórias que viveu ou lhe contaram, mas, na linha saborosa dos grandes contistas, pois, não opta por uma formula de desfecho, de modo que se, algumas vezes, os finais são esperados, no entanto, também, com imaginação e bom humor, não deixa de criar finais, inesperados, muito surpreendentes ou, como acontece com o próprio conto que deu o nome e finaliza o livro, deixa espaço para que os leitores completem ou até mesmo se desviem do que suas palavras permitem entrever. Não é só o morcego que serve de interface, mas, a mente humana que, como faz questão de ressaltar, é criadora de seus próprios fantasmas, como também de suas aventuras.
Somente sei que usando a conhecida história da caçambada, episódio que marcou a cidade pelo atropelamento de muitas pessoas, ou festas, bêbados sempre, incêndios, nuvens, assaltos, velórios ou coronéis de barranco, suas inspirações trazem a marca da versatilidade para mostrar as múltiplas  facetas das criaturas humanas, com o prêmio extra de recuperar memórias que, no fundo, giram em torno de sua vida. De qualquer forma com um sabor  regional, de modo que, os contos, que Samuel Castiel escreve, são também crônicas e histórias que rememoram parte de sua infância com sons de batuque, o mistério e a beleza das noites de luar onde passeiam seus índios, seus cães baleados, seus estouros de boiadas, seus falsos cangaceiros e até mesmo um Che Guevara que só poderia ter saído da imaginação de um pregador de peças como foi João Leal Lobo. Como acredito que a boa literatura se faz cantando sua aldeia só posso recomendar a quem não leu que leia Samuel Castiel. Sua simplicidade esconde a interface da universalidade que o morcego não revela, mas, uma boa leitura sim. Vale a pena, e é saboroso, olhar o mundo por seu prisma.  


sexta-feira, setembro 22, 2017

O FIM DE UM CICLO DA IMPRENSA DE RONDÔNIA


Nos últimos tempos tem sido uma discussão recorrente a questão da sobrevivência da imprensa impressa, com maior evidência para o desaparecimento de jornais e revistas tradicionais do Brasil e do mundo inteiro. Uma coisa, porém, é a discussão, em tese, de uma brutal realidade. Outra é deparar, como deparamos, com a primeira página do centenário jornal “Alto Madeira”, uma testemunha ocular da história de Rondônia, onde, na edição de 21 de setembro, quinta-feira, anuncia em comunicado direto, que, o jornal Alto Madeira, depois de cem anos de circulação, irá em 01 de outubro de 2017, circular com a sua edição de nº 2837, pela última vez na forma impressa. E deixa claro que por falta de sustentação econômica, pois, conforme afirma “reconhecimento e admiração sempre obtivemos de todos”.
Na verdade, estamos todos de luto com o fim de um ciclo da imprensa de Rondônia. É verdade também que se trata de um fenômeno mundial, pois, recentemente, se lamentava em Portugal o fechamento de um grande grupo da imprensa de lá e, aqui, foram, pelo menos, oito grandes, e antigos jornais, brasileiros, que deixaram de circular. Alguns, como o Jornal do Brasil e o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, verdadeiros baluartes da imprensa nacional. O fechamento do Alto Madeira, porém, para Rondônia, é muito mais sentido. De uma forma ou de outra, o AM sempre teve um papel fundamental não somente na nossa política, como na nossa cultura. Foi não apenas o berço dos grandes jornalistas e intelectuais do estado, como esteve, permanentemente, aberto para as novas ideias, para a arte, para a cultura, para os que desejassem divergir. Um espaço democrático e, notadamente, regional. Impossível ter sido importante e não ter aparecido nas páginas do jornal que documentou por cem anos a nossa história.
É lamentável ainda mais porque a nossa imprensa fica, cada vez mais pobre. Dos jornais que foram importantes no século passado resta apenas, solitário, o mais novo, o Diário da Amazônia. Num espaço de meio século desapareceram grandes títulos, como A Tribuna, o Guaporé, O Estadão do Norte, Diário do Povo, a Folha de Rondônia e, agora, o a maior de todos eles, a grande árvore de nossa floresta, o Alto Madeira, que, parecia capaz de resistir aos tempos. Termina, por incrível que pareça, depois de ter passado as maiores tormentas, mas, deixa, sem dúvida, um grande legado. O Alto Madeira será sempre um orgulho para todos nós, de Rondônia, que amamos esta terra. Deixa de circular, mas, não de ocupar um lugar memorável na história de nossa imprensa.




quinta-feira, setembro 14, 2017

SOBRE NORMALIDADE, POLÍTICA E PRAZOS


Devo dizer que, não sei explicar por ser até imemorial este sentimento, porém, não me sinto um sujeito normal. E, quando digo isto (tem pessoas que podem pensar isto de mim) não é por me sentir, de qualquer forma, superior aos outros (inferior me sinto, muitas vezes, diante de pessoas que são talentosas, gênios mesmo, com quem tive a honra de conviver). Não também que tenha nada de extraordinário ou seja um ser de intenções ocultas ou malévolas. Sou um homem quase normal nos pensamentos, inclusive sob o ponto de vista de padrões normais de desejo e até mínimos de consumo. A questão real é que, desde pequeno, além de uma acentuada timidez, não comungo nem com o proceder nem os valores da maioria das pessoas. E isto, ainda mais hoje, no Brasil é quase uma coisa criminosa.

Em certas fases da vida até cheguei a parecer uma pessoa normal. Já desperdicei, por exemplo, muitas noites diante da tela da televisão. Com a ressalva de que, apesar de considerar muito bem feitas as novelas, nunca me prenderam muito a atenção e Big Brother Brasil nem pensar. Também pareço perfeitamente normal quando assisto futebol, embora um pouco mais quieto do que o normal. Dificilmente me acharão normal por gostar de ficar zapeando ou ficar navegando em sites ou lendo notícias de vários países ou ainda traduzindo poesias. Também na infância nunca fui muito chegado a desenhos animados. Sempre gostava de futebol e de livros. Ler, até bula de remédio, sempre foi um dos meus pecados. E alterno horas em que, preguiçoso, somente desejo dormir e outras em que aceito, temporariamente, o  conceito de que "aproveitar" é "sair", buscar nas ruas e nos lugares a diversão que se supõe não está nas nossas moradias. Sou sim  de ouvir bons shows musicais , de curtir um cinema ou participar de algum evento de meu interesse, no entanto, com calma. Até mesmo viajar não pode ser mais as denominadas excursões, verdadeiras maratonas que só servem para mostrar que você já foi aos lugares que, supostamente, todos devem ir. Até aguento um dia marcar encontro com pessoas que, depois, vejo não ter afinidades e me empanturrar de cerveja como meio de esquecer o dissabor, mas, e nisto sou como a grande maioria dos brasileiros, hoje em dia, não me fale mais do que cinco minutos sobre política que não tenho o menor interesse. Hoje, uma boa discussão política, para mim, é esquecer que a política existe. É que comigo ou sem migo, só no longo prazo as coisas se acomodarão. E sei lá se  ainda tenho longo prazo...

segunda-feira, setembro 04, 2017

A RENOVAÇÃO NECESSÁRIA DA IMPRENSA ESCRITA


Como um aficionado dos jornais, das revistas e dos livros é impossível não me ligar às questões da que se costuma denominar como crise da imprensa escrita. Sem dúvida, a imprensa escrita sofreu muito, em especial, nos últimos 10 anos, com as grandes mudanças tecnológicas, com os meios digitais e as redes sociais roubando grande parte dos seus leitores e, mais ainda, desviando os gastos em  publicidade, ainda que, examinadas de perto,  as receitas do on-line não compensem as receitas perdidas no papel. De fato, estima-se que os  anunciantes na imprensa escrita decresceram, em uma década, quase 80%, enquanto o digital, talvez, recupere apenas 55 a 60% dos investimentos, ou seja, na prática, há uma queda de investimentos, embora a sua multiplicidade, e até mesmo a anarquia das mensagens invadam nossos olhos e mentes.
O sinal real da crise reflete-se em que os grandes jornais, as grandes revistas, nacionais perderam milhares de leitores nas edições impressas, e, como se sabe, muitos até cessaram de ter edições impressas, ou até mesmo, encerraram suas atividades, enquanto sobe, e muito, a leitura digital que, no entanto, sobe muito pouco na circulação digital paga, o que gera um saldo pouco positivo para a imprensa em geral. A crise, no meu entender, é, na verdade, do modelo de negócio que a indústria jornalística tanta manter, num ambiente hostil à sua permanência, até mesmo por falta de opção. Aliás, a tentativa que vem sendo feita, de cortar custos, parece ter piorado sua situação na medida em que diminui a qualidade do seu jornalismo e, via de consequência, acelera seus problemas mais do que resolve. E o resultado se vê como um desastre: jornais e revistas com, cada vez mais, menos páginas, com análises e notícias mais curtas, numa concorrência inútil de atender uma população com cada vez menor capacidade de atenção. E, como cortaram na carne, nas redações, o preenchimento dos espaços com fotos e notícias de agências de notícias, torna todos muito parecidos, tudo muito igual, muito pasteurizado.
Não tenho uma formula para combater isto, e se tivesse já teria tentado, mas, ainda creio existir um mercado para o jornalismo de investigação e de análise e de uma opinião bem sustentada. É este tipo de jornalismo que faz falta à democracia, que falta (e muito) ao nosso país. Minha crença é a de que , para que os jornais permaneçam relevantes,  é preciso servir um jornalismo de muito maior qualidade, que seja um diferencial para o leitor. Ainda creio que exista uma grande procura por uma imprensa qualificada, de opinião e crítica. Também pode ser lida, é claro, e até partilhada, com as redes sociais, mas, é este tipo de notícia que cria audiência e da qual sinto falta em todos os meios. Claro que as revistas e jornais são empresas, porém, não são apenas isto. Possuem também um papel cívico e responsabilidades mais amplas. Não podem, como tem sido a tônica nos últimos tempos, somente considerar seus interesses próprios, sem qualquer preocupação em relação à veracidade das notícias. Se fazem isto, então, em nada se diferenciam das opiniões do Facebook, onde cada um diz o que quer, na maioria das vezes, indiferente aos efeitos. Revistas e jornais continuam a ser os maiores produtores de conteúdo e devem ser a melhor fonte de informação sobre os governos, as empresas e as instituições que conformam as nossas vidas. Se não fazem isto, se perdem este tipo de preocupação, se não despertam interesse, é natural que percam importância. E perder a importância é também perder renda e leitores. É preciso inovar nossa imprensa escrita.