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sábado, outubro 24, 2020

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SUAS NUANCES

 

Sem dúvida muitas coisas no mundo mudaram para melhor. Apesar de todo o clamor que as reclamações por justiça e por igualdade reverberam, no entanto, é preciso verificar que se baseia, em geral, numa tese falsa: a de que o capitalismo não melhorou as condições mundiais. Muitas coisas melhoraram muito, inclusive a liberdade de expressão. Basta ver que, com as redes sociais, se mobiliza a população, sobretudo jovens, para contestar formas de autoritarismo e até mesmo as práticas da  administração pública até em nações onde a imprensa não é livre. Mas, é preciso deixar claro também que, algumas coisas, como o poder não mudaram. Ao contrário os poderosos se tornaram mais poderosos ainda. Neste sentido, é preciso ter a visão do que, de fato, é atentado à liberdade de expressão e o que não é. Uma resposta dura de um dirigente contra uma pergunta impertinente, mal educada e até grosseira de um repórter (muitas vezes despreparado ou mal intencionado) não é um ataque à liberdade de expressão, por exemplo. É um ataque existir uma política de buscar atingir os órgãos e os jornalistas de oposição. Mas, também aqui, isto não significa, como hoje, muitas vezes, se procura impingir que o governo tenha obrigação de sustentar empresas que o atacam. Assim, é possível que, de fato, muitas vezes, quando se reclama de ameaças à liberdade de expressão, acabe se fazendo o jogo de quem deseja apenas continuar vivendo de verbas públicas. A liberdade de expressão está em risco no Brasil? Não. Aumentou o risco da liberdade de expressão nos últimos tempos no país? Não. Algo similar ocorre nos EUA onde não é o fato de Trump não gostar de responder a perguntas ou não receber alguns jornalistas que põe a liberdade de expressão em risco. No Brasil e nos Estados Unidos é um fato que nunca se teve tanta liberdade de expressão. Nos dois países, com certeza, a liberdade de expressão é tão livre que se fala muita coisa que não se deve, ou seja, até abusam (e muito) dela.Aliás, os politicamente corretos, como muitos outros que se revestem de ovelhas em sua defesa, desejariam mesmo era cercear tanto a imprensa, quanto a mídia social. Estranho é que a organização não-governamental londrina “Article 19” acaba de lançar o documento “Global Expression Report 2019/2020”  que, segundo sua diretora-executiva Quinn McKew, traz “resultados preocupantes” afirmando que “a deterioração do direito de falar e saber gerou uma atmosfera de medo e desconfiança, com jornalistas e ativistas em todo o mundo sob risco de perseguição, detenção arbitrária, tortura e assassinato”. Receio que o documento reflita mais certa “visão” do que a realidade, pois, classifica a China, Índia, Turquia, Rússia, Bangladesh e Irã como “em crise”. Até aí tudo bem, embora, convenhamos, faltam outros países onde é notória a completa falta de liberdade de expressão, mas, afirmar que países como os Estados Unidos e Brasil apresentam “declínios acentuados” de liberdade de expressão é, no mínimo, um erro metodológico enorme ou, o que pode ser muito pior, um viés da forma como o estudo foi feito. Há partes do documento que são bem feitas, mas, algumas afirmações me parecem totalmente infundadas para respaldar os resultados como as de que a crise da saúde é também a crise da liberdade de expressão, ou que, nos EUA, aumentou as respostas negativas a pedidos de informação, bem como que os governos locais e estaduais restringiram o acesso da imprensa a eventos públicos. Ora, convenhamos, jornais não são neutros. Se atacam os governos, e normalmente o fazem, a própria Ong reconhece, a reação é normal. Também chega a ser risível a afirmação de que o Departamento de Justiça continuou a perseguir o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, nos termos da Lei de Espionagem e buscar sua extradição do Reino Unido. Como também dizer, ou sugerir, que o acirramento, a polarização das mídias sociais, seja um sintoma de problemas de liberdade de expressão, quando reflete o maior interesse por política, se bem que exposto com a falta de educação vigente. Ou que o presidente Bolsonaro fez pessoalmente dez ataques a jornalistas por mês! Ele bateu em alguém? Prendeu algum? Impediu de dizer o que pensa? Bem, como um esforço para verificar o estado da liberdade de expressão, o documento tem seus indiscutíveis méritos, mas, a meu ver, deveria ter pessoas de diferentes visões para analisar seus dados. Não posso assegurar que a minha visão seja melhor, mas, para dizer que a liberdade de expressão “está declinando” falta, pelo menos, ao documento um referencial temporal e uma análise mais teórica do que seja “liberdade de expressão”, embora sobrem indicadores dela. Para quem desejar ler o documento o acesso é possível no link https://www.article19.org/wp-content/uploads/2020/10/GxR2019-20report.pdf.

Ilustração: http://jornalheiros.blogspot.com/.

segunda-feira, outubro 19, 2020

A ECONOMIA COMPORTAMENTAL, O MIX DE ECONOMIA COM PSICOLOGIA

 


É verdade que, desde Keynes, os progressos na economia tem sido feitos, fundamentalmente, por agregação. São, de fato, por assim dizer, incrementais, sem tocar nos grandes fundamentos do estado da arte. No entanto, não se pode deixar também de acentuar que alguns novos desenvolvimentos são muito interessantes. Não tanto sob o aspecto econométrico, que tem sido acentuado mais pelo desenvolvimento da inteligência artificial, porém, do que denominamos de economia comportamental, a união, quase heterodoxa da psicologia e da economia que se consolidou, de forma inesperada, com, em 2002, o Prêmio Nobel de Economia para o psicólogo Daniel Kahneman, que, por sua obra, e determinação, fez mais do qualquer outro para criar o campo da economia comportamental. Mas, o que é economia comportamental? Uma definição possível é a de que seja o campo da economia que usa a psicologia com a finalidade de entender o comportamento e os processos de decisão de consumo dos agentes econômicos.

Para melhor esclarecer é preciso dizer que o comportamento é a forma como as pessoas reagem aos estímulos internos ou externos. Todas as decisões que tomamos, inclusive as econômicas, estão sujeitas à influência de fatores emocionais, culturais, cognitivos e psicológicos.  Na economia tradicional o comportamento dos agentes econômicos, como empresas, profissionais da área e o governo, possui o pressuposto da racionalidade, enquanto que a economia comportamental cria um contraponto à isto, sugerindo, ao acrescentar alguns fatores cognitivos e emocionais na tomada de decisões econômicas, que elas não são tão racionais como se pensa. Embora, verdade seja dita, esta vertente econômica se baseie no modelo tradicional "neoclássico", ao introduzir à psicologia se demonstra que, por exemplo, se trata de forma diferente a possibilidade de uma perda da possibilidade de um ganho ou que a forma como se oferta um produto pode influir no seu consumo.  Nem todos concordam com isto, pois, por exemplo, Nick Chater, psicólogo da Warwick Business School , é um crítico da abordagem da economia comportamental por entender que "O cérebro é a coisa mais racional do universo", embora complemente que "mas a maneira como resolve problemas é ad hoc e muito local." Ou seja, na sua visão formular leis gerais do comportamento humano pode não ser um caminho muito bom. O que não impede que a Economia comportamental seja uma das ideias mais quentes, inclusive em políticas públicas. Até o governo britânico usa a disciplina para melhorar suas políticas públicas e mesmo a Casa Branca criou sua própria equipe de insights comportamentais. De qualquer forma compreender a psique do consumidor e a irracionalidade da tomada de decisão humana parece ter um caminho promissor. E muitos governos, organizações e empresas estão utilizando seus princípios para criar  produtos ou serviços vencedores, inclusive também como meio para testar no mercado novas soluções.

Ilustração: https://i.pinimg.com/.

sexta-feira, outubro 09, 2020

O Importante não é a rosa, é o escândalo

 

Com os avanços da internet, da comunicação on-line, da instantaneidade estamos, cada vez mais, expostos à eliminação das barreiras, das paredes, das distâncias e se torna também muito mais difícil a privacidade, a linha entre o público e o privado, entre o certo e o errado, o aberto e o fechado. Também quase que nos obriga a tomar decisões com pressa, a decidir sem refletir, a tomar partido em causas que não precisamos participar, a agir, e com rapidez, porque as pessoas esperam, mais do que esperam, nos coagem por respostas. Sou dos que fogem desta loucura moderna. Muitas vezes, desligo o celular e o micro e deixo que o mundo corra sem precisar de minhas intervenções (que, aliás, penso que pesam menos a cada dia). O problema é que, muitas vezes, o meu isolamento, que se dá porque me basto, incomoda. Posso viver lendo, escrevendo ou apenas dormindo e bebendo um vinho sem grandes problemas, o que deve preocupar os outros. Já recebi até o elogio de ser anti-social, porém, a verdade é que se preciso do amor e das amizades, também preciso, às vezes, me isolar para poder compensar os desgastes ou me equilibrar quando não estou num dia bom. O inferno pode não ser os outros-como pensava Sartre-mas, também pode ser

E, muitas vezes, é num mundo onde tudo parece causar indignação. Quando vejo as movimentações, os comentários, as participações das pessoas nas mídias sociais, parece sempre ser a indignação que os move, os orienta. Parece que todo mundo está preocupado com o que é ofensivo ou injusto e se porta como o reparador das dores, que amplifica indignação e, não raro, deseja, através de sua voz, transformá-la num escândalo. E tudo se simplifica, se torna raso, infantil até se transmudar em um like ou um emoji raivoso. A comunicação via mídias sociais é uma conversa de surdos e, com razão ou sem, somente os próprios iniciadores se consideram o juiz do mundo até o ponto de, por exemplo, expulsar o outro de seu espaço, bloquear o próximo por não concordar com suas opiniões. Não há mesmo espaço, nem gentileza, para entender as razões do outro ou buscar mudar de opinião. No mundo da indignação somos envolvidos pela rapidez e o importante é a participação. É se render ao uso da nossa voz como irado contra o escândalo de alguém, pois, só atendendo à velocidade exigente do ciberespaço, onde todo mundo fala tudo  ao mesmo tempo, todo mundo precisa mostrar sua ira, cada vez mais forte, cada vez  mais boiada, para transformar o ultraje num escândalo.  De fato, as redes sociais é um espaço selvagem. É o espaço do grito dos sem voz. Dos inconformados sem razão, de vez que também, cada vez mais, não há diferença entre o que é relevante, ou não, do que deve ser prioridade ou relevado. Tudo nos causa indignação, um pequeno incidente ou uma grande injustiça. Porque nas redes sociais a reação imediata, estridente  e multiplicada iguala tudo.  Já não se protesta contra algo em específico, contra alguma coisa significativa. Se protesta por protestar (e há sempre motivos para o protesto) ainda mais quando o que importa é a rapidez com que manifestamos o desacordo. É o grito virtual, primeiro e forte que nos define e traz like e aprovações. Tenho saudades das passeatas, das marchas onde gritávamos slogans que tinham sentido, que buscavam soluções, manifestavam um desejo declarado de mudanças. Agora não se precisa de reflexão, nem motivos, nem de ter soluções. O que se precisa é de ter uma plateia que concorde que o importante é um grande escândalo. O importante não é o discurso, a reflexão, a mudança, a coerência ou a rosa. O importante é o tamanho do escândalo.