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quarta-feira, maio 29, 2024

E Assim Foi

 


Seria impossível contar esta história sem que tivesse chegado em minhas mãos os alfarrábios de Luiz Ehrich de Menezes, do qual, no fim, sou um mero repassador. Ehrich, que foi vereador e virou nome da Câmara Municipal de Costa Marques, escrevia sobre fatos e coisas do Guaporé, pioneiro daquele município e profundo conhecedor de sua história. Um pesquisador no melhor sentido e tão enraizado na sua terra que afirmava que “sair daqui é uma questão de tempo, tempo do Guaporé secar e a serra mudar”. É dele a lembrança de Roman Corcova, um boliviano culto, boa praça, mas que falava tão devagar que, entre uma palavra e outra, levava, talvez, quatro minutos. Não que fosse gago. Era por ficar pensando na palavra seguinte. Muito dele o modo de falar. Um dia contou para o Luiz que, no porto, viu um fogo andando debaixo de uma mangueira que o impressionou tanto que marcou o lugar com um prego. Isto tinha sido quatro ou cinco anos antes. E o fenômeno repetiu-se na noite passada. Como tinha quatro barqueiros sem fazer nada no porto de Versalhes, então, Luiz propôs cavar um buraco no local para encontrar um possível tesouro enterrado. Como lá estava animado com a chegada da Coroa do Divino, para despistar, diríamos que estávamos cavando um sanitário. Roman se encarregou de conseguir as pás, enxadas e picaretas. E, da parte de Luiz Ehrich, entraria com os homens e a bebida. E assim foi feito. Mediu-se um buraco de dois metros por três, arranjou-se latas e cordas e lá pelo meio dia iniciou-se a abertura do buraco. Passavam pessoas e perguntavam o que se estava fazendo e a resposta era sempre a mesma: um sanitário para a comunidade. E os homens cavando até cair a noite e, de noite, continuaram com uma lâmpada Aladim. Com um metro encontraram o prego. Inexplicável como parou naquela fundura. Alcançava já os três metros quando a terra deixou de ser como virgem e virou superficial com vestígios de cacos de cerâmica misturada com terra negra. E prosseguiu, de forma redonda, com apenas um metro deixando de ser uma cavação uniforme. O serviço avançou mais rápido e, de madrugada, já tinha cinco metros de fundura quando terminaram os vestígios de terra não virgem. Um dos barqueiros de nome Rafael disse “Sabe, seu Luiz. Eu acho que somente enterra dinheiro ou riqueza quem é velho e velho não iria ter forças para cavar tão fundo. Quem tem forças para cavar são os novos e a gente nunca enterrou dinheiro, portanto estamos trabalhando feito bestas”. Foi a senha para desanimar de buscar o tesouro e deixar para lá. Não foi um trabalho vão. Dizem os cablocos que o que tem que ser tem muita força. E o buraco serviu mesmo para fazer um sanitário para a comunidade. Tinha que se fazer um sanitário mesmo, não é?

sexta-feira, maio 24, 2024

Recordando para Manter a Chama da Esperança


É verdade que não devia contar. Mas, com o tempo sempre a língua vai ficando solta e se perde até o receio de passar por vaidoso. O fato é que vivi uns tempos num seringal e matei muitas onças. Não foi por prazer nem por medo. Muitas vezes para salvar as galinhas ou um cachorro com o estranho nome de Cipó, só por ser um tanto compridinho. Lembro que não tive medo, exceto uma vez quando, inesperadamente, topei com uma no caminho. Matei algumas onças calmo, tranquilo, como se fosse um mateiro velho, um caçador experimentado. Só tinha um problema: depois, quando via o animal morto, me dava uma tremedeira incontrolável. Não sei se acontece com outros assim, mas tive essas reações retardadas. Um amigo meu de caçada me consolou afirmando que na hora de matar onça minha fleugma era britânica e que me comportava como um bom político que, mesmo culpado, frente à uma comissão de inquérito, se mantém como se estivesse explicando o óbvio. Hoje, certamente, diria como um dilapidador do erário público, mesmo diante da avalanche de lama e de denúncias, se diz inocente. Até mesmo o mais inocente do mundo. Não quero, no entanto, entrar neste campo da política até porque sou um tanto cético quanto à realidade dela e, aprendi, ser melhor ficar distante desta arena. Melhor é deixar o barco correr porque somente sobra para nós, aqui embaixo, os contribuintes. Não sou juiz para andar atrás de rombos, ocasionais ou não, bem ou mal remendados, nem tenho razões para avaliar o desempenho de algum piloto. Quero é ir empurrando o barco, pescando, quando posso, meu peixe e viver minha vida mansa. Nada de azucrinar comandante, de vez que, se o barco afunda, vamos pagar o pato e ganhar o que Maria ganha na capoeira. Se o barco está à deriva, ou não. Se o homem mente muito ou pouco, não sei, nem quero saber. Meu desejo maior é que o bom Deus permita que as coisas se arranjem, que possamos ter uma trajetória melhor do que a dos juros e dos preços altos. O que almejo mesmo é conservar a fleugma dos ingleses que já tive, nos velhos tempos do seringal, quando matava onças até sem ter balas de reserva. Não permanecer apático, não. Pode ser que, depois dos tempos ruins passados, até volte a reação retardada da tremedeira. Com certeza procuro ser mesmo é um bom brasileiro. Até com as coisas indo ruins continuar acreditando no futuro. Mais do que nunca é preciso cultivar a esperança. Afinal os aviões decolam contra o vento. E, hoje, sinto até vergonha de pensar que já matei onça. 

Ilustração: Biologia Net. 

A Lição do Rio Grande do Sul

 


O que, sem politizar no sentido menor, mas pensando na grande política, o que nos mostra o desastre das enchentes no Rio Grande do Sul? Mostra que, quando baixar as águas, ficará clara a incompetência do governo para cuidar dos problemas da sociedade. A questão mais evidente é a de que a defesa do estado como solução traz no seu bojo a ideologia de seja possível superar a impossibilidade de fazer a coleta, reunir e analisar as informações dispersas, de forma a se ser eficiente a partir de um poder central. No fundo isto é o que Mises denominou de “arrogância fatal”, para ele um perigo original que dorme dentro dos seres humanos, que é a tentação de pensar que pode ser capaz de controlar todas as coisas (aliás, outra forma disto são os modelos econômicos), o que, ao fim, é uma tentação de crer que somos Deus. Crer que o governo será capaz de criar uma sociedade melhor não é somente um erro intelectual, mas também uma ideia profundamente antissocial  na medida em que, quando se submete a liberdade, seja de ter, de se expressar e até mesmo empresarial, se violenta a individualidade, a capacidade do ser humano de escolher seus caminhos, à coletividade, isto sempre se faz, a partir de um partido, uma religião ou um estamento que dita o que a sociedade deve fazer. E daí, quando existe um comando, um pensamento, regras estabelecidas que impedem o dissenso como se pode garantir que se adote o melhor caminho? Como conservar a democracia? Como impedir que uma parte da sociedade garanta seus interesses em detrimento do todo? Além do mais, quando examinamos a fundo, o estado não cria nada. O estado, todos sabem, vive de impostos, ou seja, retira sua sobrevivência do que a sociedade produz, logo quanto mais cresce sua burocracia, quanto mais aumenta impostos, quanto mais suga os recursos, menos contribui para a liberdade, para uma sociedade melhor. E quando se tem regimes nos quais é impossível exercer o direito de criticar o governo, menor se torna a transparência e mais difícil fica da sociedade evoluir porque os recursos, sem fiscalização e sem observar as necessidades sociais, serão usados mais para satisfazer os caprichos dos governantes de plantão do que para o bem social. A enchente no Rio Grande do Sul é uma grande comprovação desta verdade. As ações dispersas das instituições, empresas e pessoas foram muito mais eficientes e mitigadoras da tragédia do que as ações governamentais. É preciso que a sociedade brasileira compreenda a lição e caminhe para termos uma sociedade com menos governo e mais liberdade, se desejamos conservar o ideal de um futuro melhor.

Ilustração: Infomoney.