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segunda-feira, novembro 25, 2024

TEMPOS DIFÍCEIS

 


Que tempos não são difíceis? Há tempos que não o são? Sei lá. Sei que é difícil viver em qualquer época e, como não vivemos as outras, a nossa sempre nos parece a pior de todos os tempos. A questão de medir as dificuldades não pode, porém ser separada do tempo que nos foi dado viver. E, mesmo neste tempo, as dificuldades, como aquele sábio senhor disse, como todas as outras coisas são relativas. Inteligências geniais como as de Balzac, Shakespeare, Dostoievski, Proust e Fernando Pessoa escreveram o necessário sobre a natureza humana e os tempos difíceis. Recordo, por ser inesquecível a passagem de Falstaff reclamando de sua época (“Que tempos são esses?”). Nem vou citar o clássico em que se afirma que o mundo está fora do eixo. Não sei se sempre esteve ou se está sempre se desviando lentamente, mas falar de tempos difíceis no Brasil é como chover no molhado. Basta pensar que, por aqui, os tempos difíceis são propagados musicalmente. Quem não lembra do Legião Urbana “Nas favelas, no senado/Sujeira pra todo lado/Ninguém respeita a constituição/Mas todos acreditam no futuro da nação/Que país é esse?/Que país é esse?/Que país é esse?”. É um país sui generis que suporta, sambando, jogando futebol e fazendo piada, a repressão, a censura, a vida em permanente temor, a angústia cotidiana e compulsória, sem jamais constituir uma sociedade verdadeira, de vez que o individualismo e uma espécie de “pragmatismo canibal”, nos anima a transformar em memes mesmo as coisas mais dolorosas. E quando não se pensa que se possa piorar mais as coisas sempre se arranja um meio, um modo, um jeitinho brasileiro de torná-las pior. Até que chegamos a uns tempos em que a desconexão, as leis e o poder se tornaram quase irreais e, ao mesmo tempo, muito mais poderosas. Imersos numa aldeia global, num envoltório hiperconectado por celulares e redes sociais, assistimos impotentes serem impostos, sem pensar no bem comum, as pautas mais loucas. Por exemplo, agora discutimos a ideia de reduzir a jornada de trabalho, segundo dizem para proporcionar mais o tempo livre, mas será possível fazer isto por decreto? Será que esta medida não irá trazer uma queda da renda? Da produtividade e competitividade do país? A ideia tentadora, e fácil, não pode, por exemplo, afora quebrar empresas e desempregar,  atrair os de menor renda, com mais horas livres, para o mundo das apostas, do dinheiro fácil e rápido, para buscar saídas financeiras imediatas?  A combinação também desconexa do que se legisla com a realidade brasileira parece se acentuar cada vez mais. É como se os poderes públicos marchassem contra a modernidade ao querer agir como se pudessem nos trazer o futuro, iluminados que são, apesar de nós, pobres brucutus, não desejarmos o que nos é imposto. Enquanto reclamamos da inflação, do descontrole das contas públicas, dos impostos altos e da burocracia as respostas que recebemos não criam nem falsas esperanças de que seremos atendidos. Neste passo, como o desenvolvimento só é possível pela construção de um projeto de país e é impossível fazê-lo sem que as pessoas possam ter liberdade de opinião e se sintam representadas, os tempos ficam ainda mais difíceis. E todas as esperanças se esvaem no vazio brasileiro da falta de representação.

quinta-feira, novembro 14, 2024

OS PROVÁVEIS EFEITOS NEGATIVOS DE UMA JORNADA MENOR DE TRABALHO

 


Na imprensa, e entre os adeptos de soluções fáceis para os problemas sociais complexos, ganhou imenso espaço, e a adesão espantosa e, possivelmente, interesseira de 193 deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com a jornada de trabalho na escala 6 x 1 (seis dias de trabalho para um de descanso) de autoria da deputada Erika Hilton.  A proposta de PEC se inicia equivocada pela própria justificativa, de vez que pautada na preservação da saúde e do bem-estar do trabalhador. Claro que criando a expectativa de que, com mais dias de descanso, o trabalhador tenha mais saúde e seja mais produtivo, o que também beneficiaria as empresas. Ainda  se argumenta que a medida já foi testada em programas pilotos em outros países. Isto é verdade, mas são países com muito melhores condições, melhor ambiente de negócios e maior renda do que o Brasil. Independente disto qual a necessidade e a viabilidade de propor uma mudança tão brusca? Ora a Constituição Federal permite a redução da jornada de trabalho por meio de acordos coletivos (art. 7º, inciso XIII), ou seja, os sindicatos podem negociar diretamente em favor de suas categorias, de modo que a atual redação constitucional permite flexibilidade e adaptação de acordo com a realidade econômica de cada setor. Em termos claros não há necessidade nenhuma. E a viabilidade? O senador e presidente do PP, Ciro Nogueira, foi incisivo quanto a isto ao dizer que “É uma ideia tão boa como, por exemplo, aumentar o salário-mínimo para R$ 10.000,00. Quem pode ser contra? Agora, dizer que é viável no Brasil de hoje é mentir para a população”.  Mas do que mentir é criar uma falsa esperança. Sob o ponto de vista econômico é uma medida desastrosa. Qualquer economista que mereça o nome, considerando a conjuntura econômica de incertezas em que vivemos e a enorme maioria de micro e pequenas empresas (as grandes empregadoras de mão de obra) podem facilmente listar os efeitos que são previsíveis: em primeiro lugar, aumento dos custos trabalhistas devido à redução da jornada sem redução dos salários (se cumprida a lei), depois, como consequência lógica, elevação dos preços dos produtos para cobrir os custos mais altos. Daí, diminuição do poder de compra dos consumidores e redução dos lucros empresariais, com o provável fechamento de micro, pequenas e médias empresas e aumento do desemprego. O impacto negativo na arrecadação de impostos e nas contas públicas é o toque final. Porém, outros cenários podem ser piores ainda com a pejotização, ou seja, os trabalhadores serem obrigados a criar empresas para poder trabalhar e a substituição massiva de mão de obra humana por automação. Não se descarte também a possibilidade de recessão.  Melhorar ambiente de trabalho todos querem, mas é indispensável considerar a realidade econômica do Brasil, bem como a preservação das empresas e a manutenção dos empregos. É nocivo que propostas que envolvem tanta complexidade não sejam discutidas de modo aprofundado e técnico no Poder Legislativo. Não existe forma de preservar a saúde do trabalhador, e seus empregos, sem considerar a sustentabilidade das empresas, pilares essenciais para o funcionamento da economia nacional.

Ilustração: Folha-UOL.