Leio no jornal
português “O Público” que uma pesquisa do Instituto Nacional de Estatística
(INE) revela que as empresas portuguesas contatam mais frequentemente os seus
trabalhadores fora dos seus respectivos horários de trabalho atualmente mais do
que há quatro anos. Segundo ainda a mesma pesquisa quase 40% dos funcionários tiveram
solicitações de trabalho no seu período de descanso pelo menos uma vez nos dois
meses anteriores. Segundo o inquérito, em 2015 mais de metade (56,6%) da
população empregada no 2º trimestre afirmava nunca ter sido contatada
profissionalmente fora do horário de trabalho. No trimestre equivalente de
2019, aquele valor diminuiu 3,9%, sendo agora 52,7% os que fazem tal afirmação.
Em sentido contrário, 39,2% dos trabalhadores empregados hoje dizem ter sido
contatados por questões da empresa em horário de descanso, pelo menos, uma vez
nos últimos dois meses – a diferença entre os dois indicadores são os
entrevistados que não sabem ou não respondem. Destes, 20,2% receberam este tipo
de contato “uma ou duas vezes”, enquanto os restantes 19% revelam uma prática
mais frequente. Na maioria desses casos (13,2%), os contatos são feitos na
expectativa de que o trabalhador interrompa o seu período de descanso para
resolver algum problema. Os contatos
fora do horário de trabalho são mais frequentes entre homens (49,1%, contra 40,3%
entre as mulheres); funcionários com formação superior (61,2%) e trabalhadores
por conta de outrem (56,8% reportam a existência destas práticas nos últimos dois
meses). Dentro destes, o fenômeno é particularmente sentido pelos funcionários
que têm vínculos com termo (60,5%). Também é significativo na pesquisa que quase
um terço dos trabalhadores (28,8%) afirma trabalhar “sempre, ou muitas vezes”
sob pressão de tempo, “tendo de terminar tarefas e trabalhos ou tomar decisões
dentro de prazos considerados insuficientes”. Pouco mais de um terço da
população empregada (34,1%) afirma ter total, ou muita, autonomia para decidir
a ordem e o modo como executa as suas tarefas ou trabalhos. Bem, a pesquisa é
portuguesa, mas, não deve ser muito diferente no Brasil. Parece que, apesar do
descanso ser considerado um direito fundamental do trabalhador, a jornada de
trabalho, que é o período estabelecido no contrato com a empresa que deve ser
cumprido pelo empregado, está, cada vez mais sendo menos respeitada,
principalmente, quando se trata de trabalhadores de nível superior ou
especializados. O que se percebe é que a legislação brasileira (e mundial) gira
em torno do emprego que, com o desenvolvimento da tecnologia e da inteligência
artificial, ao meu ver, tende a diminuir muito. Mas, se o emprego tende a
diminuir, ou, talvez, como pregam alguns, a desaparecer, o trabalho,
certamente, não desaparecerá. A verdade parece ser que é preciso que se pense
em novas leis mais adequadas a uma nova realidade. O enfraquecimento sindical
não se dá à-toa. Reflete o fato de que a classe trabalhadora é, cada vez mais,
fragmentada e heterogênea. Pensar que se possa agrupar interesses
crescentemente difusos é uma tolice. A questão do futuro será como remunerar
melhor o trabalho ou como criar uma forma de renda universal que se sustente
num modelo onde só uma parte muito pequena da força de trabalho será contratada
por empresas. A dissolução entre o trabalho e o descanso, que aumenta a olhos
(e pesquisas) vistos, é um sintoma das profundas modificações do mundo do
trabalho. E é preciso que se pense em novas formulas e não, como faz grande
parte da mentalidade de esquerda, desejar que “direitos” se sustentem, quando
não possuem, como contrapartida, o substrato econômico que os viabilize. É um
belo discurso, o de falar em direitos, mas, a história demonstra que eles só
existem quando a economia permite que possam ser sustentados.
Ilustração: http://www.fetecsp.org.br/.
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