O
nosso querido amigo Lito Casara, indiscutível mestre do chorinho com o seu
bandolim mágico, me emprestou para ler o livro da Editora Record, “Ficha de
Vitrola & Outros Contos”, do seu parceiro, no clássico da música popular
brasileira “Matinês” Jaime Prado Gouvêa. Já sabia que devia ser muito bom,
porém, fui surpreendido com a capacidade de escritor do mineiro, pois, não
consegui parar mais. Só parei quando terminei de ler o livro todo. É uma
leitura, sem dúvida, deliciosa. Não somente por Jaime ser um ser, mesmo na
literatura, essencialmente musical, como também porque transparece nas letras
sua alma de boêmio, sua imensa capacidade de construir narrativas que prendem e
revelam um sólido intelectual.
Suas
histórias, que, mesmo quando não expressa de forma clara, são mineiras, cantos
mineiros, possuem também o lado universal com o qual todo ser humano se
identifica. Seu livro de contos é um livro urbano, um livro em que sua
imaginação percorre as ruas, a cidade, passeia pelos sons, máquinas, odores,
mormaços e pedras não deixa de ser, em momento algum musical, não apenas pelas
alusões constantes a vitrolas, ou o ambiente dos bares que, junto com o álcool,
exigem sons, porém, ainda mais por suas citações de preferências artísticas que
vão dos mineiros (Milton Nascimento e Fernando Brant) brincar com Charlie Parker,
bordejar Caetano, Torquato Neto, Macalé, Caymmi ou Paul McCartney, com a mesma
sensibilidade devoradora que junta Odair José, Bee Gees, Nara Leão, Martinho da
Vila, Elvis Presley até abusar com Nat King Cole, Roberto Carlos e Antônio
Carlos & Jocafi. É uma salada que pode ter tanto Chopin, quanto Lindomar
Castilho, Wanderley Cardoso ou mesmo “Que c’est triste Venise” com Charles
Aznavour, todavia, encaixadas em contextos nas quais se tornam indispensáveis
como referências para personagens que destilam suas desesperanças ou reproduzem
destinos familiares.
Apesar
de, em muitos momentos, ser triste e pesado, como a vida, o que não falta no
texto de Jaime é beleza, imaginação, uma concisão das palavras que vai se
incrustando em nós como as valsas ou os rocks lentos que se insinuam em
estórias do cotidiano que são, sempre, poéticas, com citações literárias de
grandes pensadores, poetas e escritores, como Nietzsche, Homero, Joyce,
Rimbaud, Robert Frost, Dumas, F. Scott Fitzgerald, Edgar Allan Poe, Ascenço
Ferreira e Paulo Mendes Campos, cujo um dos textos dá título ao conto “Batuque
dos gambás”. Efetivamente se trata de um autor refinado. Não é uma leitura para
incultos nem enquadrados, embora esses também possam ler para compreender que
quem tem cultura e visão larga escreve bem melhor. E é o que muito me agrada em
Jaime. Seu descompromisso com filosofias ou tribos, com padrões, inclusive na
literatura, do qual um maravilhoso exemplo é o conto “Relatório de viagem”, que
faz, com maestria, sobre os ocupantes das poltronas de um ônibus, onde revela a
vida e os pensamentos dos passageiros, ou em outro no qual o filho mais novo do
sargento Lima depois de ter aprendido a voar despenca sobre a cristaleira para
encher os olhos de vidro.
Há
na escrita de Jaime o prazer e a dor de viver. Seja no tédio, um tema
constante, na repetição dos destinos ou mesmo no novo começo que nunca se sabe
onde vai terminar. É a incerteza que faz seus contos, em certos momentos, quase
serem poemas trágicos ou desconcertantes. Todos, porém, latentes de lirismo.
Ler Jaime Prado Gouvêa é um mais um prazer que a vida nos dá. É como escutar
uma música de qualidade em letras, sorver um bom vinho, fazer o suave e
desesperado amor que seus personagens transmitem. É para quem gosta de boa
literatura. Não deixem de ler!
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