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segunda-feira, agosto 13, 2018

UM CONSTRUTOR DE SONHOS COM AS PALAVRAS




O nosso querido amigo Lito Casara, indiscutível mestre do chorinho com o seu bandolim mágico, me emprestou para ler o livro da Editora Record, “Ficha de Vitrola & Outros Contos”, do seu parceiro, no clássico da música popular brasileira “Matinês” Jaime Prado Gouvêa. Já sabia que devia ser muito bom, porém, fui surpreendido com a capacidade de escritor do mineiro, pois, não consegui parar mais. Só parei quando terminei de ler o livro todo. É uma leitura, sem dúvida, deliciosa. Não somente por Jaime ser um ser, mesmo na literatura, essencialmente musical, como também porque transparece nas letras sua alma de boêmio, sua imensa capacidade de construir narrativas que prendem e revelam um sólido intelectual.
Suas histórias, que, mesmo quando não expressa de forma clara, são mineiras, cantos mineiros, possuem também o lado universal com o qual todo ser humano se identifica. Seu livro de contos é um livro urbano, um livro em que sua imaginação percorre as ruas, a cidade, passeia pelos sons, máquinas, odores, mormaços e pedras não deixa de ser, em momento algum musical, não apenas pelas alusões constantes a vitrolas, ou o ambiente dos bares que, junto com o álcool, exigem sons, porém, ainda mais por suas citações de preferências artísticas que vão dos mineiros (Milton Nascimento e Fernando Brant) brincar com Charlie Parker, bordejar Caetano, Torquato Neto, Macalé, Caymmi ou Paul McCartney, com a mesma sensibilidade devoradora que junta Odair José, Bee Gees, Nara Leão, Martinho da Vila, Elvis Presley até abusar com Nat King Cole, Roberto Carlos e Antônio Carlos & Jocafi. É uma salada que pode ter tanto Chopin, quanto Lindomar Castilho, Wanderley Cardoso ou mesmo “Que c’est triste Venise” com Charles Aznavour, todavia, encaixadas em contextos nas quais se tornam indispensáveis como referências para personagens que destilam suas desesperanças ou reproduzem destinos familiares.
Apesar de, em muitos momentos, ser triste e pesado, como a vida, o que não falta no texto de Jaime é beleza, imaginação, uma concisão das palavras que vai se incrustando em nós como as valsas ou os rocks lentos que se insinuam em estórias do cotidiano que são, sempre, poéticas, com citações literárias de grandes pensadores, poetas e escritores, como Nietzsche, Homero, Joyce, Rimbaud, Robert Frost, Dumas, F. Scott Fitzgerald, Edgar Allan Poe, Ascenço Ferreira e Paulo Mendes Campos, cujo um dos textos dá título ao conto “Batuque dos gambás”. Efetivamente se trata de um autor refinado. Não é uma leitura para incultos nem enquadrados, embora esses também possam ler para compreender que quem tem cultura e visão larga escreve bem melhor. E é o que muito me agrada em Jaime. Seu descompromisso com filosofias ou tribos, com padrões, inclusive na literatura, do qual um maravilhoso exemplo é o conto “Relatório de viagem”, que faz, com maestria, sobre os ocupantes das poltronas de um ônibus, onde revela a vida e os pensamentos dos passageiros, ou em outro no qual o filho mais novo do sargento Lima depois de ter aprendido a voar despenca sobre a cristaleira para encher os olhos de vidro.
Há na escrita de Jaime o prazer e a dor de viver. Seja no tédio, um tema constante, na repetição dos destinos ou mesmo no novo começo que nunca se sabe onde vai terminar. É a incerteza que faz seus contos, em certos momentos, quase serem poemas trágicos ou desconcertantes. Todos, porém, latentes de lirismo. Ler Jaime Prado Gouvêa é um mais um prazer que a vida nos dá. É como escutar uma música de qualidade em letras, sorver um bom vinho, fazer o suave e desesperado amor que seus personagens transmitem. É para quem gosta de boa literatura. Não deixem de ler!

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