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quarta-feira, agosto 03, 2005

Ninguém Merece

José Dirceu venceu sua primeira prova de amargura. O que não quer dizer que convenceu. Nem mesmo seu mais fiel adepto se arrisca a dizer que ele diz a verdade. Impossível crer que um esquema tão grande seja fruto de Delúbio, que não prima pela organização, ou de Silvio Pereira, um primário deslumbrado, ambos sem condições de ter acesso privilegiado a informações que seriam indispensáveis para movimentar tantos recursos, estabelecer tantas ligações que passam todas pelos interesses do governo. Para crer no depoimento de Dirceu é preciso descrer de todos que afirmam que, em suas mãos, repousavam a organização e a coordenação do governo e do partido. É como se não tivesse um plano, não tivesse metas nem objetivos, não fosse meticuloso na manipulação de situações e informações. Em outras palavras o homem que depôs não esteve no governo-tal a diferença.
Também impossível acreditar que não tivesse importante papel na definição de nomes, acordos e nomeações. Que, como afirmou, não tivesse informações privilegiadas de Abin, Polícia Federal e todo um aparato, que quem está no alto da pirâmide não deixa de usar, ainda mais quando se trata de alguém, como ele, controlador, centralizador, forjado na clandestinidade a trabalhar em silêncio para sobreviver. Suas afirmações estiveram eivadas de seu caráter: por demais dúbias. Não dizia que não disse. Procurava dizer que Roberto Jefferson queria lhe atribuir uma responsabilidade que não era sua, no entanto, foi, ou não foi, o homem forte do governo? Foi. E, num partido cujas discussões eram colegiadas, mas a decisão centralizada. Quem respondia pelo seu núcleo? Lula, Zé Dirceu, Delúbio, Gushiken. Talvez Genoíno, Pereira ou Sereno, mas é menos provável.
Como também não é verdade que não se procurou aparelhar o governo. Tanto é que os ministros não tinham direito de nomear os seus assessores e, muitas vezes, mudaram regras para “premiar” companheiros em posições para as quais não possuíam o devido preparo. E, ao contrário do que disse o ex-ministro, a composição não obedeceu aos mesmos critérios dos governos anteriores. Nenhum centralizou, inclusive com senhas, os postulantes nem os submeteu a um crivo meramente partidário. E nenhum outro dissolveu as diferenças entre o governo e o partido, entre os contra e os a favor de seu projeto, inclusive punindo mesmo os que estavam no seio de sua agremiação.
O problema é que a “tragédia” que se abateu sobre o PT tem nomes, sobrenomes e história. Não é do PT. É de uma cúpula que, em nome do partido, quis “mexicanizar”, ou melhor, “chavinizar” o país para permanecer escanchados no poder. E pisaram sem pena em quem se opôs aos seus desejos a ponto de que a imensa quantidade de denúncias vem do não menor cordão dos machucados, dos que, apesar de fiéis ao governo e ao PT, foram espezinhados por não se aliar com os donos do poder. O problema do depoimento de Zé Dirceu não é o de que a Globo tenha perdido um grande ator. É o de que o roteiro é obsceno, a trama imoral e os motivos de envergonhar um frade de pedra. Sou obrigado a concordar com o irmão siamês de Zé: o Brasil não merece isto. Que, pelo menos, seja uma lição para melhorar a qualidade da política no país.

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